Patriarca defende que “recuo” dos bispos em relação a temas polémicos foi “legítimo”
Manuel Clemente garante que a reflexão sobre a família vai continuar, que o documento vai voltar às dioceses e que todo o processo há-de levar a algum lado. Não sabe onde, mas com o Papa Francisco a Igreja movimenta-se.
Apesar de aquele documento de trabalho ter mostrado alguma abertura à comunhão e confissão dos casais recasados ou divorciados e ao acolhimento dos homossexuais, depois de reunidos em grupos de trabalho, os bispos apresentaram outras conclusões, defendendo que os divorciados não devem ter acesso aos sacramentos. A homossexualidade passou a ser referida por “tendências homossexuais” e “o casamento é só entre um homem e uma mulher”. E ainda, entre muitas outras considerações, que a relatio tinha negligenciado as famílias cristãs.
Manuel Clemente admite que “o impacto mediático que teve a leitura dessa relatio” e “a enfâse” colocada naqueles pontos “foi de tal ordem” que provocou “um certo recuo”: “Essa reserva transparece nos trabalhos dos grupos”, disse, acrescentando que foi “uma reacção de defesa” desencadeada “pela avalanche mediática”. Manuel Clemente acha o recuo “legítimo”, uma vez que “o relevo” que aqueles dois pontos tiveram na relatio “era excessivo” em relação ao que tinha ouvido no encontro.
Mas o incómodo estava sobretudo na mediatização, como se os bispos quisessem acalmar os ânimos, dizendo: “Não estamos ainda aí, não sabemos se queremos ir para aí”. E perguntando-se, por outro lado, se o sínodo já estava feito, o que estavam eles ali a fazer? Ou seja, explica o patriarca, os bispos acharam que se estava a dar uma “enfâse exagerada” a pontos que não eram “os essenciais”.
Ainda assim, o patriarca considera que, mesmo sem maioria absoluta, o resultado da votação nestes pontos mais polémicas foi “muito positivo”. E o facto de o Papa Francisco ter incluído no documento final todos os pontos e as respectivas votações também é “muito significativo”.
"Não podemos esconder a cabeça na areia"
Apesar daquele incómodo em relação à mediatização, Manuel Clemente elogiou a forma como decorreu o sínodo, considerando que foi de um “ineditismo” sem precedentes. Referia-se, entre outros aspectos, a todo o processo desencadeado pelo Papa Francisco para a realização deste sínodo extraordinário (para o ano acontecerá o ordinário): “O sínodo de 2014 corresponde a uma intenção do Papa Francisco de que toda a gente se debruce sobre uma problemática transversal, embora hoje não unívoca, que é a problemática familiar”, disse, reconhecendo que, tanto em Portugal, como noutros países, “há uma abrangência de situações” familiares.
Manuel Clemente considera que foi por saber da “complexidade e amplitude” do tema que o Papa Francisco desencadeou um processo sinodal com contornos específicos. Sublinhou a prévia consulta feita às bases, “completamente inédita”, porque “nunca tinha acontecido desta maneira”, tendo Lisboa reunido 14 mil respostas ao inquérito.
O presidente da CEP congratula-se com o facto de o processo não ter terminar aqui, uma vez que para o ano haverá outro sínodo. Por isso, e mesmo que não se repita uma consulta tão ampla, o documento, com os pontos polémicos e as votações, vai voltar às dioceses para novas contribuições e reflexões, de “todos”, mas sobretudo de especialistas, teólogos.
“Vamos lá ver até onde isto nos leva. Ninguém sabe, se calhar nem o Papa Francisco [sabe ainda]”, disse, acrescentando não se atrever a dizer qual será a opinião do Papa. Será o Papa que, após o sínodo do próximo ano, fará uma exortação apostólica, na qual indicará o caminho que a Igreja deve seguir.
Opiniões à parte, para Manuel Clemente, o Papa Francisco revela grande “abertura” não tanto para resolver as questões “desta ou de outra maneira”, mas para que “sejam encaradas”. Quer envolver todos: “É a Igreja em movimento”, afirmou, acrescentando estar confiante de que, no caso do sínodo da família, “qualquer coisa que envolve tanta gente com certeza há-de levar a algum lado”. “Mas não vos sei dizer qual”, notou.
De qualquer forma, Manuel Clemente defende que a reflexão é necessária, até para que a Igreja consiga responder a esta questão: “Como conseguimos conciliar coisas novas com coisas velhas?” A Igreja Católica, defende, deve entrar “neste diálogo”, mas “dentro do que é próprio da sua tradição”. Reconhece que as famílias enfrentam desafios e “realidades novas”, mas não se pode pedir a esta instituição uma proposta que “não seja bíblica”. Mesmo assim, ressalvou, as “realidades estão aí e não podemos esconder a cabeça na areia”.