Países mais procurados pelos emigrantes portugueses querem livrar-se dos desempregados

No Reino Unido, na Suíça e na Alemanha discutem-se restrições à livre circulação. O acesso ao sistema de protecção social do Reino Unido já está a mudar. A Suíça prepara novo referendo.

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Manifestação de emigrantes em Paris, em Agosto de 2010 Joel Saget/AFP

O Observatório da Emigração pede aos países de destino dados sobre a entrada de portugueses. No ano passado, entraram 30 mil no Reino Unido, 15 mil na Suíça e 11 mil na Alemanha. Este ranking talvez fosse diferente se houvesse números fiáveis sobre França, mas o país não processa ou divulga estes dados para não alimentar sentimentos xenófobos. O secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, está convencido de que não há mais gente a ir para o Reino Unido, a Suíça ou a Alemanha do que para França. É lá que está a maior comunidade portuguesa e essa tem boa base empresarial e fortes laços – de família, amizade ou vizinhança – com Portugal.

Com a abertura de fronteiras, as migrações tornaram-se mais experimentais. Livre circulação, porém, não é livre fixação. Para obter autorização para viver noutro país do Espaço Económico Europeu (EEE) por mais de três meses, qualquer cidadão comunitário tem de ter trabalho ou meios de subsistência que não o convertam num fardo para o sistema de protecção social do estado de destino.

Em Portugal, informa o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), “o desemprego ou a falta de meios de subsistência não são fundamento para abandono voluntário, nem afastamento coercivo” de cidadãos de outros países da União Europeia (UE). Prestações sociais pertinentes contam como meio de subsistência. E tem acesso a subsídio de desemprego quem já trabalhou e a Rendimento Social de Inserção (RSI) quem reside no país há um ano. Segundo o Instituto de Segurança Social, em Setembro de 2014 havia 1827 cidadãos comunitários a receber subsídio de desemprego e 1621 a beneficiar do RSI. O Luxemburgo é o país com maior taxa de portugueses desempregados, a rondar os 30%, mas, tal como Portugal, não considera o desemprego causa de expulsão.

Noutros Estados-membros há um entendimento diferente. E a possibilidade de mandar embora cidadãos comunitários começou a ser considerada desde que a crise atravessou o Atlântico e se propagou pela Europa. A Bélgica, por exemplo, está a expulsar até famílias com longa permanência no país, alegando que representam uma “carga não razoável”: 343 em 2010, 989 em 2011, 1918 em 2012.

Acossados pelo avanço de partidos extremistas de carácter eurocéptico, alguns partidos tradicionais que integram governos, “em vez de combaterem, adoptam um discurso de perfume xenófobo”, nota o eurodeputado Carlos Coelho (PSD), que faz parte da Comissão Parlamentar Mista do EEE. “A Comissão Europeia pode levar ao tribunal quem não respeitar a directiva da livre circulação e não tenho dúvidas de que levará”, diz. “Preocupa-me muito o que está a acontecer.” Portugal assiste a um êxodo, em termos quantitativos, só comparável ao das décadas de 1960 e 1970.

Primeiro a França
A polémica estourou em França, em 2010, era Nicolas Sarkozy primeiro-ministro, com a expulsão de romenos e búlgaros de etnia cigana. Estava a acontecer o mesmo, ainda que de forma mais discreta, noutros países da UE, incluindo Itália, Alemanha, Dinamarca e Suécia. Houve queixa à Comissão Europeia, mas Roménia e Bulgária tinham entrado na União com restrições à livre circulação.

À socióloga Inês Espírito Santo não parece possível que a comunidade portuguesa, sobre a qual fez doutoramento, venha a ser alvo de uma atitude negativa: “é a população estrangeira menos exposta ao desemprego em França”. O país não trata os dados do desemprego por nacionalidade. Para ter ideia do que se passa com a comunidade é preciso recorrer aos censos. Ao analisar os últimos (2009), a investigadora do Observatório da Emigração deparou-se com uma taxa de desemprego entre nascidos em Portugal de 5,5%, numa altura em que a taxa de desemprego global era de 9,1%. “Inseriram-se em sectores de actividade muito específicos, nos quais conseguiram criar redes sociais comunitárias, para além de usufruírem de uma imagem de ´bom trabalhador´ aos olhos dos empregadores”, comenta.

Reino Unido já cortou apoios
No ano passado, a controvérsia instalou-se no Reino Unido, o novo grande destino migratório dos portugueses. Num artigo publicado no Financial Times, o primeiro-ministro David Cameron anunciou novas rescrições a cidadãos oriundos do EEE. Nem tudo o que foi anunciado por Cameron foi aprovado. Até agora, o Reino Unido respeitou as directivas europeias, sublinha Carlos Coelho.

As primeiras mudanças entraram em vigor a 1 de Janeiro, quando romenos e búlgaros conquistaram o direito à livre circulação. Antes, havia apoio financeiro imediato para quem se inscrevia no centro de emprego. Agora, o candidato tem de provar que está a viver no país há três meses para ter acesso a esse subsídio, a abono de família e a outras prestações. Quem ficar desempregado durante mais de meio ano perderá o estatuto de trabalhador, que lhe permite permanecer no país. O sistema de protecção social continua, todavia, mais generoso do que na maior parte dos países da UE.

Nos censos de 2011 figuravam 4677 portugueses na lista de desempregados, havia então 84 mil pessoas nascidas em Portugal a residir no Reino Unido. Desde então cresceu muito a comunidade, sobretudo em Londres. Enquanto em Portugal aumentava o desemprego, no Reino Unido aumentava a oferta de trabalho, observa Cláudia Pereira, que também integra a equipa do Observatório da Emigração. Houve recrutamento directo, há facilidades na língua, formou-se uma comunidade heterógena. A taxa de desemprego global é agora de 6,4%. Os últimos dados de que dispõe a socióloga, que se tem debruçado sobre aquele país, indicam 4066 portugueses desempregados em 2012 e 5277 em 2013.

Alemanha lançou propostas
Em Março deste ano, foi a vez de a Alemanha anunciar medidas destinadas a controlar a imigração. O ministro do interior, Thomas de Maizière, e a ministra do Trabalho, Andrea Nahles, apresentaram um relatório no qual se propunha conceder entre três e seis meses aos cidadãos oriundos de outros países da UE para encontrarem trabalho. De outro modo, teriam de abandonar o país. Seriam não só expulsos da Alemanha, mas também proibidos de regressar ao país aqueles que tivessem ludibriado o sistema para receber indevidamente prestações sociais.

A taxa de desemprego mantém-se baixa, mas a dos estrangeiros tende a dobrar a dos alemães. Libaneses, iraquianos, afegãos, iranianos, ucraniano são os mais afectados pela falta de trabalho, o que não será alheio ao facto de muitos serem refugiados. A dos portugueses fica-se pelo meio caminho entra a dos nacionais e a dos estrangeiros. Havia no ano passado 104.084 nascidos em Portugal a residir na Alemanha e em Maio 11.449 recebiam “subsídio básico para pessoa à procura de emprego”, uma espécie de Rendimento Social de Inserção, e 5564 subsídio de desemprego.

O país, diz o sociólogo Nelson Rodrigues, funcionário da Caritas na Alemanha, tem um sistema de protecção social muito generoso. Além do subsídio de desemprego e do subsídio básico para pessoas à procura de emprego, há ajuda para comprar mobília, pagar a renda de casa ou as contas de água, luz e gás. E correm histórias de abuso associadas a famílias oriundas da Bulgária ou da Roménia. Nada mudou, até agora. Nelson Rodrigues espera que os anúncios feitos pelo Governo de Angela Merkel fiquem lá atrás, no calor que antecedeu as últimas eleições europeias.

Suíça fez referendo polémico
A Suíça aprovou em Fevereiro um referendo que prevê quotas de entrada de cidadão da UE. E prepara-se para fazer outro sobre a redução de entradas a uma quota anual de 0,2% da população residente, o que equivale a 16 mil pessoas, quando o saldo migratório ultrapassa os 80 mil.

A taxa de desemprego ronda os 3%. Sucessivos estudos mostram que os estrangeiros têm duas a três vezes mais probabilidade de ficarem desempregado. Amiúde trabalham em sectores com grandes flutuações sazonais, como a construção civil, hotelaria, agricultura. É o caso dos portugueses, cuja taxa de desemprego oscila entre os 10% no Inverno e os 5 a 6% no Verão. Para já, os cidadãos da União têm direito a “seguro-emprego”. Terminado o tempo em que têm direito a prestação, têm seis meses para encontrar novo trabalho. Caso não consigam, podem perder a autorização, a menos que provem que tê meios de subsistência. Só quem tem autorização de residência de longo prazo escapa.

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