Em Hong Kong os protestos não são para velhos e irritam os empresários

As manifestações pró-democráticas têm encontrado uma oposição cada vez mais cansada dos distúrbios ao seu dia-a-dia.

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Há muita gente irritada com a paralisação provocada pelos protestos Alex Ogle / AFP

O pai de Chiu é proprietário de uma ourivesaria estabelecida nos anos 1970 na Canton Road, explica o Wall Street Journal, e era o seu desejo que o filho lhe sucedesse à frente da loja. Mas os projectos de Near – um nome adoptado por causa de um desenho animado japonês – são outros. Recém-licenciado na City University, o jovem tem o sonho de ser fotógrafo comercial: “Este não é o mundo que me pertence”, diz ao jornal. A sua frase encerra uma profunda divisão que ultrapassa as paredes do pequeno apartamento onde vive com a família na zona de Fanling.

Olhando para as multidões que têm enchido as ruas do bairro de Admiralty, onde se têm concentrado as principais manifestações pró-democráticas em Hong Kong, saltam à vista os milhares e milhares de jovens, muitos ainda menores – um dos principais líderes dos protestos, o presidente da Federação de Estudantes, Joshua Wong, fez 18 anos esta segunda-feira.

Munidos com os telemóveis de última geração – usados como “armas” de intervenção quando a multidão liga as suas luzes ao mesmo tempo –, os estudantes que saem à rua têm aspirações muito diferentes das dos seus pais. As prioridades das gerações mais velhas são sobretudo a estabilidade e a previsibilidade que o actual regime lhes garante; os mais novos querem liberdades políticas e não se coíbem de perturbar as rotinas da megapolis para se fazerem ouvir. A principal reivindicação é a possibilidade de elegerem directamente o chefe do governo local nas eleições de 2017. Em Agosto foi aprovada uma reforma que instaura o sufrágio universal, mas os candidatos têm de passar pelo crivo de um comité próximo de Pequim.

Em termos políticos, existem “duas narrativas” diferentes em Hong Kong, defendeu o professor universitário Richard Wong, num artigo de opinião no South China Morning Post. À “narrativa de baixo para cima”, defendida pelo sector pan-democrático, opõe-se a “narrativa do establishment”. Esta última “receia tanto a tirania da maioria como a tirania das minorias e diz que já que Hong Kong desenvolveu um robusto estado de direito e liberdades económicas e civis sem liberdade política sob domínio britânico, porquê mudar o jogo?”, observa Wong.

Esta tensão tem sido transportada para as ruas, logo que começaram os primeiros protestos estudantis, no início de Outubro. O movimento do “cordão amarelo” – inspirada nas lutas das sufragistas norte-americanas no século XIX – representa os grupos pró-democráticos, mas suscitou uma reacção simétrica. Vários cordões azuis começaram a aparecer em diferentes pontos da cidade e foram convocadas manifestações de apoio às forças policiais, cujo uniforme é azul.

No início do mês, os dois grupos protagonizaram confrontos no bairro comercial de Mong Kok – os donos de lojas são dos que mais têm criticado os protestos. Segundo a imprensa local, 18 pessoas ficaram feridas e 19 foram detidas, entre as quais alguns membros de tríades, que também estão contra os protestos. Esta segunda-feira a cena repetiu-se no mesmo bairro e também em Admiralty, onde se concentra o maior número de manifestantes. Centenas de pessoas tentaram derrubar as barreiras que envolvem os grupos de manifestantes e chegou mesmo a haver alguns confrontos físicos.

Numa das maiores praças financeiras do mundo, a estabilidade dos negócios é outro dos factores mais apreciados por um largo sector da sociedade, que receia que a posição do território seja ameaçada. Calcula-se que as perdas dos vendedores desde que os protestos se iniciaram sejam de 2,2 mil milhões de dólares de Hong Kong (224 milhões de euros), de acordo com uma análise do economista da ANZ, Raymond Yeung.

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