Portugueses nunca compraram tanta comida online

As vendas no retalho alimentar estagnaram mas crescem a dois dígitos nos sites dos grandes operadores da grande distribuição, que estão a aumentar o número de armazéns para responder às encomendas.

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Perfil dos utilizadores do Continente vai desde famílias com filhos, jovens ou mais adultos, mas sobretudo residentes em zonas urbanas Enric Vives-Rubio
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Nuno Almeida, director de e-commerce da Sonae MC, diz que o mercado mais sofisticado nas compras online é o britânico Enric Vives-Rubio

Em 2013, 0,9% dos produtos de grande consumo (mercearia, detergentes, entre outros, e excluindo produtos frescos) foram comprados online, de acordo com um estudo da Kantar Worldpanel. Mas em 2016 a estimativa é que este valor chegue aos 1,4%, acima do que se poderá verificar em Espanha (1,2%). O peso deste canal nas vendas globais dos retalhistas ainda é tímido, mas Nuno Almeida, director de e-commerce da Sonae MC, a empresa do grupo Sonae (dono do PÚBLICO) que detém o Continente, garante que começa a ser “significativo”. “O mercado mais sofisticado é o britânico, onde as vendas online representam 5% da totalidade do retalho alimentar. Portugal ainda está distante desse estádio de maturidade”, compara, sem especificar o peso do negócio virtual nas contas da Sonae MC. O site do Continente foi criado em 2001 e tinha na altura ”algumas centenas” de utilizadores registados. Agora tem meio milhão.

Esta evolução aconteceu em todos os retalhistas contactados pelo PÚBLICO. O Jumbo lançou o seu hipermercado online em 2007 “com uma oferta de produtos de grande consumo e uma grande variedade de produtos frescos”, diz João Caneira, director de comércio electrónico da cadeia do grupo Auchan. Nesse primeiro ano, tinha 30 mil registos. Agora ultrapassam os 250 mil. Fonte do El Corte Inglés refere que o site da empresa espanhola foi criado em 2004 e, dez anos depois, passou de cinco mil para 100 mil clientes. O registo de novos clientes online não equivale a compras efectivas nos sites. Mas quando questionados quanto à evolução das vendas e previsões de crescimento, a resposta foi a mesma: dois dígitos.

“As vendas eram principalmente de produtos de grande consumo, mercearias, produtos lácteos e produtos frescos, que continuam a ter uma grande participação. Mas os produtos técnicos e bazar têm vindo a ganhar maior relevância. As evoluções nos primeiros anos eram na ordem dos três dígitos, actualmente são de dois dígitos”, conta João Caneira. Nuno Almeida também sublinha que, aqui, no mundo virtual, “não há de todo estagnação”. Afinal, o potencial de crescimento é enorme, não só porque é um negócio ainda em fase embrionária, mas porque todas as tendências apontam para o mesmo caminho: vamos comprar cada vez mais online, vamos usar mais a tecnologia para fazer escolhas, vamos procurar serviços cada vez mais convenientes, não só na Internet, como também nos espaços físicos. Não se trata de substituir um supermercado por uma versão online. Trata-se de usar as duas opções.

“Acreditados convictamente que é algo em que vale a pena investir e vai fazer parte dos hábitos de compra dos consumidores agora. Não é no futuro”, afirma Nuno Almeida, acrescentando que a Sonae MC tem investido em espaço de armazenamento e na capacidade de “orquestrar as operações”. “O perfil de compra dos nossos clientes vai tornar-se cada vez mais complexo. E há duas questões que serão constantes: a conveniência e a transparência”, defende. Por um lado, o consumidor espera a solução mais prática (quer na loja, quer online) e ao mesmo tempo agradável. Por outro, com o acesso global à informação, a honestidade dos retalhistas estará cada vez mais sob escrutínio. “O serviço que o cliente pode ter nos diferentes canais tem de ser claro. Mas nunca terá as mesmas coisas: nunca conseguirei oferecer no online a riqueza de sensações físicas que se tem numa loja. Mas numa loja, também nunca poderei oferecer tantos produtos como no canal virtual”, continua Nuno Almeida. Usando como exemplo o hipermercado Continente em Cascais, no site da cadeia nortenha há 25 a 30% mais de produtos, sem contar com outros artigos como livros escolares, lentes de contacto ou colchões que não se vendem nas lojas.

As expectativas do El Corte Inglés “passam por continuar a crescer a dois dígitos” neste canal, quer no negócio alimentar, quer no não alimentar, diz fonte oficial, sem detalhar mais. Já João Caneira acredita que “a menor disponibilidade de tempo, a utilização de novas tecnologias e a mobilidade dos clientes são factores que, aliados a uma cada vez maior oferta de serviços online, antevêem um crescimento do mercado e das vendas de quem oferecer um bom serviço”. Por isso, o Jumbo também antecipa aumentos “graduais e sustentados” das vendas. Sinal disso é a mudança no seu próprio modelo logístico: inicialmente, a operação de recepção, preparação, expedição e transporte das encomendas era feita totalmente na loja, agora inclui um entreposto “mais eficiente operacionalmente, mas mantendo toda a variedade de produtos, uma maior oferta de produtos frescos e um serviço que corresponda às necessidades dos clientes”, continua o director de comércio electrónico do Jumbo.

Quem compra sem ver?
Apesar deste crescimento expressivo, a verdade é que as compras de comida online não estão disseminadas pelo país e são feitas por consumidores urbanos que precisam, sobretudo, de poupar tempo. Ainda assim, Nuno Almeida sublinha que não há um perfil tipo. Vai desde famílias com filhos, jovens ou mais adultos, mas sobretudo residentes em zonas urbanas. “Compram um pouco de tudo, enchem a despensa no final do mês, mas também fazem compras de reforço ao longo da semana. A lista de compras é a mesma que a da loja física”, garante. O Jumbo traça um retrato mais concreto: “são na maioria clientes do sexo feminino, casais jovens com hábitos urbanos, de 25 a 45 anos com filhos, de classes sociais elevadas, quadros médios, superiores, empresários e pessoas activas com pouca disponibilidade de tempo ou que privilegiam a comodidade do serviço”, ilustra João Caneira.

A evolução será feita com a ajuda dos smartphones, onde aplicações já permitem ir ao frigorífico em casa, scanear códigos de barras de produtos e completar, assim, a lista de compras. Também há cada vez mais novas soluções para levantar as compras na loja física, evitando os custos de envio, que se mantêm elevados.

Aos retalhistas interessa não perder o comboio. Não só porque há mais procura, mas porque, como diz Rita Coelho do Vale, professora auxiliar de Marketing da escola de gestão da Universidade Católica, este canal “origina um conjunto de vantagens que não devem ser medidas unicamente pelas vendas”. “Serve para divulgar produtos, permite identificar padrões de consumo, permite usar dados comportamentais para gerar promoções”, exemplifica.

Compradora assídua nos hipermercados online, Rita Coelho do Vale, diz que a principal vantagem é, “sem sombra de dúvida”, a conveniência. “Mas também permite muito maior controlo de custos, utilizar de forma automática as listas de compras, menos tentação para comprar por impulso. Demoro certa de 20 minutos a fazer as compras semanais… é imbatível em termos de tempo despendido”, conta.

Mas no grupo dos grandes distribuidores, há um resistente à venda online: o Pingo Doce, do grupo Jerónimo Martins. Fonte oficial justifica que a “capilaridade” das mais de 300 lojas e o formato de supermercado já permitem estar próximo dos clientes e oferecer-lhes conveniência. “Além disso, a percentagem de consumidores portugueses que dizem comprar produtos alimentares através da Internet é bastante reduzida (em 2013 de acordo com a Nielsen, este número representava 9%).Estes são, essencialmente, os motivos pelos quais o e-commerce não tem sido uma prioridade estratégica para o Pingo Doce”, refere.

A empresa liderada por Pedro Soares dos Santos reconhece que o consumidor está cada vez mais “digitalizado” e que vender online é uma “ferramenta importante de contacto e de relacionamento”. Mas a implementação de uma loja só se vai concretizar “se o retorno para os resultados do negócio forem visíveis”.

Ao contrário do que sucedeu com o comércio online de livros ou roupa, na comida e mercearia a evolução não tem sido tão rápida, nem lucrativa. Os desafios logísticos são maiores, sobretudo devido à necessidade de conservação dos produtos frescos, e as margens de lucro das cadeias de retalho também encolhem com todos os custos que este serviço implica. E a verdade é que, para a maioria dos portugueses, esta ainda não é uma opção. “Tenho notado uma enorme aversão à compra de perecíveis online. Muitos agregados familiares que usam o canal fazem-no unicamente para produtos não perecíveis. Isto pode estar relacionado com a forte relação que temos com a comida, e que faz com que estejamos mais envolvidos com a compra”, diz Rita Coelho do Vale.

José António Rousseau, consultor e professor que há muito se dedica à análise da grande distribuição, concorda. Mais do que a complexidade logística do lado dos retalhistas, “a verdadeira relutância está nos consumidores e na falta de confiança na qualidade ou frescura de produtos que eles não puderam ver nem tocar”.

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