Carlos Costa considera legítimo que Vítor Bento se tenha oposto a venda rápida do Novo Banco

O governador do Banco de Portugal foi ouvido na Assembleia da República.

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Carlos Costa,nesta quarta-feira no Parlamento Enric Vives-Rubio

“É natural que o conselho de administração do Novo Banco achasse que, com mais tempo, poderia fazer um trabalho diferente”, afirmou Carlos Costa, ouvido na comissão parlamentar de Finanças, Orçamento e Administração Pública sobre a demissão da administração constituída por Vítor Bento, José Honório e João Moreira Rato, três meses após assumir funções.

Ainda assim, Carlos Costa realçou que “o estatuto do banco é muito claro sobre a natureza transitória do accionista”, admitindo a existência de um dilema sobre a influência do tempo, após o Fundo de Resolução ter assumido a gestão do banco, na valorização da instituição.

Na comunicação da saída, os três gestores defenderam que não saíam "em conflito com ninguém, mas apenas porque as circunstâncias alteraram profundamente a natureza do desafio" com base no qual aceitaram a missão em meados de Julho.

Considerando “normal” a saída da equipa de administração, Carlos Costa afirmou que “era muito importante” que Vítor Bento “tivesse aceitado continuar” à frente do Novo Banco. No dia 3 de Agosto, o BdP tomou o controlo do BES, depois de o banco ter apresentado prejuízos semestrais de 3600 milhões de euros.

Costa diz não ter afastado logo Salgado porque legislação impedia
O Banco de Portugal (BdP) conseguiu identificar o problema do BES antes do colapso e só não afastou a administração, liderada por Ricardo Salgado, porque a lei não permitia, afirmou o governador.

Na sua última intervenção na comissão de Finanças, Orçamento e Administração Pública, Carlos Costa sublinhou que “em outros casos”, os supervisores só conseguem identificar problemas, como os do BES, depois de explosão. “Normalmente, primeiro explode. É como alguém que descobre uma granada e tenta desactivá-la”, ilustrou, adiantando que, apesar da descoberta precoce do caso BES, os factos descobertos a  posteriori deixaram o banco sem soluções para repor o nível de capitais, confinado a “duas soluções”: a resolução ou a liquidação. E, acrescentou, “não há nenhum supervisor que consiga antecipar [a dimensão das imparidades] a não ser que substitua os quadros do banco”.

Carlos Costa destacou que a legislação o impedia de suspender a administração do BES, liderada por Ricardo Salgado. “Em relação à ingenuidade, não é do supervisor, é antes do legislador, porque estabeleceu que a suspensão da administração não pode ser tomada livremente pelo BdP”, declarou, adiantando que “há jurisprudência que é muito limitativo nesta matéria”. Por isso, acrescentou, importa mudar a lei “numa próxima alteração legislativa”.

Após mais de duas horas de audição, Carlos Costa concluiu que “só erra quem faz opções”, adiantando que fez “o que achava que devia fazer para assegurar a estabilidade financeira e para assegurar uma transição gradual e segura”.

O governador do BdP sublinhou ainda que “o acidente que aconteceu com o BES não tem a ver com a actividade normal de um banco”, atribuindo-o a uma “actividade anómala”.

No dia 3 de agosto, o BdP tomou o controlo do BES, depois de o banco ter apresentado prejuízos semestrais de 3600 milhões de euros, e anunciou a separação da instituição em duas entidades distintas. No chamado banco mau (bad bank), um veículo que mantém o nome BES, ficaram concentrados os activos e passivos tóxicos do BES, assim como os accionistas. No “banco bom”, o banco de transição que foi chamado de Novo Banco, ficaram os activos e passivos considerados não problemáticos.

Os grupos não financeiros
O governador defendeu uma alteração legislativa que proíba que um banco integre um grupo não financeiro, como era o caso do BES e do GES, para evitar contaminações.

“Há conclusões a tirar” do colapso do BES, afirmou aos deputados Carlos Costa, destacando que “não é admissível que um banco, no futuro, faça parte de um conglomerado não financeiro como era o caso do BES”.
Para tal, é necessária uma alteração legislativa, sublinhou, porque num conglomerado de empresas financeiras e não financeiras, “há os problemas que se colocam fora do balanço, que não são detectados pela exposição”.

Mais, segundo o governador, “a legislação tem que assegurar que não haja dirigentes [que são simultaneamente] da área financeira e da área não financeira”, como era o caso de Ricardo Salgado, líder do BES e do GES.
Carlos Costa criticou a existência de “conglomerados mistos (financeiros e não financeiros), muito complexos, e ainda por cima com sede em jurisdições não cooperantes”, algo que, actualmente, “a lei permite”. E reforçou: “Estamos tão preocupados com a separação entre a banca de investimento e a banca comercial, mas não estamos preocupados com a separação entre a parte financeira e a não financeira”.