Turquia autoriza operações contra jihadistas mas mantém ambiguidade
Combates intensificam-se na cidade de Kobani, ameaçando arrastar Exército turco para o conflito com Estado Islâmico.
A moção surge após semanas de pressão de Washington para que a Turquia, detentora do segundo maior Exército da NATO, se envolva nas operações contra o grupo radical, que em Junho declarou um califado nos dois países com quem Ancara partilha 1200 quilómetros de fronteira. Mas o Governo turco mantém muitas reservas sobre a estratégia norte-americana, seja por temer que os ataques aéreos fortaleçam o Presidente sírio Bashar al-Assad – de quem é um dos principais opositores –, seja por recear que a mobilização internacional tenha como consequência uma legitimação das guerrilhas curdas, as únicas que no terreno se têm mostrado capazes de oferecer resistência aos jihadistas.
A ambiguidade voltou a pairar sobre o discurso que o Presidente turco proferiu nesta quarta-feira no Parlamento. “Não iremos tolerar nunca organizações terroristas no nosso território, na nossa região ou no mundo. Estamos abertos e disponíveis para qualquer cooperação na luta contra o terrorismo”, disse Recep Erdogan, que em Agosto transitou da chefia do Governo para a chefia de Estado.
Mas o mesmo Presidente que há dias reconheceu que o país não poderia “ficar à margem” da luta contra os jihadistas, deu a entender que Ancara pode continuar a barrar os aviões norte-americanos de usarem a base de Incirlik se o objectivo da actual missão não passar também pelo derrube de Assad. “Todos devem perceber que a Turquia é um país que não apoia soluções temporárias, nem permitirá que outros se aproveitem disso”, sublinhou Erdogan, explicando que sem uma estratégia de longo prazo “as toneladas de bombas apenas vão adiar a ameaça, como se provou até agora no caso do Iraque”.
Apesar de ser quase certo que a moção passará, há dúvidas que Ancara esteja disponível para enviar soldados para o outro lado da fronteira. O país tem colocado como condição que na zona seja imposta uma zona de exclusão aérea – uma ideia que não obteve até aqui resposta dos aliados –, mas desenvolvimentos no terreno podem alterar as suas ponderações.
Terça-feira, Ancara revelou que os jihadistas ameaçam o mausoléu de Suleyman Shah, avô do fundador do Império otomano, que se situa em território sírio mas que é guardado por dezenas de soldados turcos. E o jornal Hurriyet noticiou que o Exército tem já em marcha planos para garantir uma zona de segurança nos territórios junto à fronteira actualmente controlados pela oposição secular e os islamistas moderados – uma faixa que não incluiria o território controlado pelos curdos, e para onde seriam encaminhados parte dos refugiados sírios que o país acolheu.
Neste impasse, a cidade curda síria de Kobani, colada à fronteira, continua a resistir à ofensiva dos jihadistas, protegida apenas pela guerrilha do YPG. Na última noite, aviões da coligação liderada pelos EUA voltaram a bombardear posições dos radicais, mas nesta quarta-feira eles mantinham-se a menos de três quilómetros da cidade. “Não nos mandem comida. Comeremos lama se for preciso. Mandem-nos armas, mandem-nos combatentes”, pediu um dos habitantes que se mantém na cidade a um jornalista do Independent que no fim-de-semana visitou a cidade.
Entretanto, longe dos holofotes das atenções internacionais, a guerra na Síria mantém o mesmo ritmo assassino dos últimos três anos. Nesta quarta-feira, 39 pessoas, 30 das quais crianças de seis a nove anos, morreram num duplo atentado à porta de uma escola num bairro de maioria alauita (a seita xiita a que pertence Assad) em Homs, cidade que o regime controla quase na íntegra desde Maio.