Rússia e Ucrânia à beira de acordo para resolver problema do gás no Inverno
Antes das negociações, a Hungria anunciou um corte do envio de gás para a Ucrânia, o que Kiev entendeu como a cedência a "chantagens" da Rússia.
A proposta, mediada pelo comissário europeu da Energia, o alemão Guenther Oettinger, foi apresentada numa nova ronda de negociações que decorreu nesta sexta-feira em Berlim, após o falhanço das conversações de Junho passado que levou ao corte do fornecimento de gás à Ucrânia.
Os ministros da Energia da Rússia e da Ucrânia vão agora discutir a proposta com os respectivos governos. Citado pela agência AFP, o comissário europeu disse que espera ter uma resposta nos próximos dias, para marcar uma nova reunião em Berlim para o final da próxima semana.
Segundo os termos do acordo, Kiev vai pagar a Moscovo 2400 milhões de euros até ao fim do ano, do total de 4100 milhões de euros em dívida reclamado pela Gazprom. Por sua vez, os responsáveis da Gazprom aceitam retomar o fornecimento do gás directamente à Ucrânia.
Se o acordo se concretizar, a empresa russa compromete-se a enviar 5000 milhões de metros cúbicos nos próximos seis meses – a quantidade que se estimava ser necessária para que a Ucrânia pudesse atravessar o Inverno sem consequências ainda mais dramáticas.
O documento preliminar estipula também que a Gazprom vai vender gás à Ucrânia a 385 dólares (cerca de 301 euros) por cada 1000 metros cúbicos. Este preço está dentro dos valores cobrados a países como a Alemanha, e fica muito abaixo dos 485 dólares (380 euros) que chegaram a ser cobrados após a queda do antigo Presidente ucraniano Viktor Ianukovich – no final de 2013, Moscovo baixou o preço da venda do gás a Kiev por três meses, um desconto que não foi renovado depois de a situação na Ucrânia ter evoluído para um cenário contrário ao desejado pela Rússia.
O ministro russo da Energia, Alexander Novak, congratulou-se com os termos do acordo proposto pela UE, mas deixou claro que o seu país não irá abdicar de outras exigências, como o pagamento antecipado do gás que a Gazprom irá recomeçar a enviar para a Ucrânia.
De igual importância para a Rússia é a garantia de que o gás vendido a países com a Hungria, a Polónia ou a Eslováquia não continue a ser reexportado para a Ucrânia, o que Moscovo considera ser uma violação dos acordos com esses países.
Numa entrevista ao jornal alemão Handelsblatt, nesta sexta-feira, o ministro da Energia russo deixou um aviso à UE: "Os contratos acordados não prevêem a reexportação. Esperamos que os nossos parceiros europeus cumpram os acordos. Essa é a única forma de garantir que não haverá interrupções no fornecimento de gás aos consumidores europeus", disse Alexander Novak.
Hungria suspende gás para a Ucrânia
Também nesta sexta-feira, a Hungria suspendeu o fornecimento de gás à Ucrânia por tempo indeterminado e chegou a acordo com a Rússia para aumentar as suas reservas, com o objectivo de passar ao lado das consequências da crise energética entre Moscovo e Kiev.
A notícia chega quatro dias depois de o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, se ter reunido com o director executivo da gigante russa Gazprom, Alexei Miller, e no mesmo dia em que representantes da UE, da Rússia e da Ucrânia negociaram, em Berlim, uma solução para o corte do fornecimento de gás de Moscovo a Kiev.
Num breve comunicado, a operadora húngara FGSZ anunciou que interrompeu a transmissão de gás para a Ucrânia "na tarde de 25 de Setembro de 2014 [quinta-feira] por um período indefinido".
A empresa estatal justifica a suspensão com razões de segurança, motivadas pelo "aumento significativo" da procura nos próximos tempos na Hungria. Com o previsível aumento do volume de gás, a rede de gasodutos de Beregdaróc, na fronteira com a Ucrânia, terá de ser "alterada, para garantir que todos os gasodutos estejam preparados para receberem a transmissão", lê-se no comunicado da operadora húngara.
Apesar destas explicações, a empresa estatal ucraniana Naftogaz acusa a Hungria de ceder a chantagens da Rússia e pede a Bruxelas que exija aos seus países-membros "o respeito pelas regras internas da UE".
"A Naftogaz lamenta profundamente a decisão da FGSZ e apela aos seus parceiros húngaros que respeitem as suas obrigações contratuais e a legislação da UE", lê-se num comunicado da Naftogaz, que prossegue com uma acusação: "Nem os países da UE nem a Ucrânia devem ser pressionados politicamente através de chantagens na energia. (…) A Naftogaz está empenhada em ser um parceiro estável e um ponto de ligação vital para a chegada de gás russo à UE. Em troca, a Naftogaz espera que os seus parceiros da UE e os seus países vizinhos respeitem as suas obrigações contratuais, e também a legislação da UE."
Numa primeira reacção, a porta-voz da Comissão de Transportes e Mobilidade, Helen Kearns, disse que a mensagem de Bruxelas é "muito clara": "Esperamos que todos os Estados-membros facilitem as reexportações, tal como foi acordado pelo Conselho Europeu. Não há nada que impeça as empresas da UE de disponibilizarem livremente gás que compraram à Gazprom, e isso inclui a venda desse gás a clientes da UE e a países terceiros, como a Ucrânia", disse a porta-voz, citada pela agência Reuters.
A reunião de segunda-feira entre o primeiro-ministro húngaro e o director executivo da Gazprom serviu também para confirmar que a Hungria continua empenhada na construção do gasoduto South Stream – uma futura alternativa ao envio de gás russo para países da UE através da Ucrânia, cuja construção é criticada pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia, por ser vista como um desvio da política de diversificação que a UE diz querer prosseguir.
A Hungria, a Polónia e a Eslováquia têm ajudado a atenuar a crise energética na Ucrânia ao reexportarem para o país parte do gás que compram à Rússia, uma prática condenada por Moscovo. Mas a aproximação das estações mais frias limita cada vez mais a margem de manobra dos países dependentes do gás russo – a União Europeia está a discutir soluções a longo prazo para atenuar essa dependência, mas alguns países directamente afectados, em particular a Hungria, têm preocupações de curto prazo que fragilizam a resposta europeia à Rússia.
Em meados de Agosto, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, classificou as sanções aplicadas a Moscovo como "um tiro no pé", e o seu homólogo eslovaco, Roberto Fico, disse que "não têm sentido e são contraproducentes".