Candidatos ao ataque e à defesa, ao compasso dos “marqueteiros”

A influência e o poder dos directores e estrategas das campanhas políticas é tremendo, mas se fossem eles a decidir os resultados, as eleições terminariam todas empatadas.

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Os três principais candidatos, Marina Silva, Aécio Neves e Dilma Rousseff, num debate televisivo PAULO WHITAKER/REUTERS

Assim, quando começou o tempo de antena eleitoral, a Dilma Rousseff que os brasileiros viram não tinha nada a ver com a “presidenta”. A candidata a um segundo mandato apareceu nos primeiros vídeos da campanha a cozinhar macarrão e a falar sobre a família. A Dilma gerente, severa, tecnocrata, transformou-se numa mulher comum, que “acorda cedo e trabalha muito”, como informava o narrador.

Essa transformação, que ocorre nos ecrãs da televisão, é a principal missão – e também o maior desafio – de um “marqueteiro” eleitoral. A palavra, incorporada com a maior naturalidade no léxico político brasileiro, descreve alguém que é ao mesmo tempo um estratega, um conselheiro, um director executivo, um contra-regra.

Nenhuma campanha profissional sobrevive sem ele: se os programas eleitorais são um produto fabricado pelas alianças e coligações, já o estilo e o comportamento dos candidatos é moldado pelos marqueteiros – são eles que dão ordem de ataque e que preparam a defesa. Desenganem-se, porém, os apologistas das teorias da conspiração ou partidários das poções mágicas: como adverte o veterano repórter e comentador de política brasileira, Ricardo Kotscho, “se marqueteiro decidisse eleição, terminariam todas empatadas”.

Eduardo Jorge, o candidato presidencial dos Verdes, cuja campanha descontraída faz furor sobretudo nas redes sociais, lamenta a influência que estes profissionais foram conquistando e, mais ainda, a repercussão da sua entrada em cena em termos do empobrecimento do debate político. “As candidaturas milionárias, guiadas pelos marqueteiros, perdem completamente a espontaneidade e os candidatos perdem, inclusive, o direito de dizer o que pensam”, observou.

João Santana é o maestro que dirige toda a campanha de recandidatura de Dilma, mas além do marqueteiro baiano, a Presidente dispõe de um círculo alargado – e igualmente poderoso – de conselheiros políticos e eleitorais. Desde logo, o seu antecessor Luiz Inácio Lula da Silva, um dos maiores talentos políticos do Brasil e principal responsável pela ascensão política de Dilma até à presidência. Do seu percurso passado, no governo do Rio Grande do Sul, a candidata mantém Giles Azevedo. Geólogo de formação, conhecido pela discrição, trabalha directamente com Dilma há mais de 20 anos; a confiança entre os dois é total.

Também o concorrente do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB), Aécio Neves, chamou para a condução da sua campanha os pesos-pesados do partido e os seus colaboradores mais fiéis. Paulo Azevedo é o marqueteiro; Fernando Henrique Cardoso, a eminência parda do partido, exerce um papel relevante, e António Anastacia, o seu vice em Minas Gerais que assumiu o cargo de governador em 2010 e agora concorre ao Senado, continua do seu lado.

Mas ninguém é mais relevante e imprescindível para Aécio do que a sua irmã mais velha Andrea, a sua estratega e confidente e, segundo um assessor do partido, “o crânio da comunicação” da campanha. À Record, um outro deputado do PSDB comparou-a ao “ministro da propaganda da Alemanha nazi: age com mão de ferro e controla tudo”. Talvez por ser pensada pela irmã, a campanha de Aécio assenta mais nele – ora no papel de estadista, ora de homem de família – do que no partido, as suas figuras-chave e as suas maiores concretizações.

Quanto à concorrente da coligação Unidos pelo Brasil, Marina Silva, a sua entrada tardia na corrida presidencial exigiu trabalho suplementar para os seus principais aliados políticos: o deputado federal paulista Walter Feldman, um dos fundadores do PSDB e promotor da Rede Sustentabilidade da ambientalista; o pernambucano Sérgio Xavier, que desde o início da coligação assegurou a ponte entre o malogrado líder do PSB, Eduardo Campos, e Marina; e ainda Eduardo Gianetti da Fonseca, o seu principal assessor para a área económica e putativo ministro das Finanças em caso de vitória.

Impelidos pela novidade e tumulto que a entrada de Marina introduziu na campanha, os marqueteiros dos seus dois principais concorrentes, Dilma e Aécio, tiveram de repensar a táctica. No meio da comoção nacional com a morte de Eduardo Campos, o PSDB refreou a agressividade: um risco grande associado à negatividade é de que a “dose” seja aplicada em demasia, levando o eleitorado a rejeitar o concorrente que sai ao ataque e solidarizando-se com aquele que é alvo de críticas desajustadas ou injustas. Perante a tragédia de Campos, Aécio Neves, que era seu amigo, não quis “bater” em Marina e fazer dela uma vítima.

Já a Presidente não hesitou em atacar a nova candidata lançada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), para defender a sua posição cimeira nas sondagens. “A artilharia do marqueteiro João Santana transformou o plano de governo da ambientalista em ameaça à saúde, educação, casa própria, emprego e rendimento dos brasileiros. A estratégia deflagrada teve êxito, conforme indicam as pesquisas da intenção de voto”, escreveu o jornal Zero Hora.

A chamada “narrativa do medo” não é inédita na campanha eleitoral brasileira e fez história em 2002, quando o PSDB lançou um vídeo em que a actriz Regina Duarte declarava “estou com medo” de Lula da Silva, que se revelou um falhanço espectacular. Aproveitando o carisma do ex-metalúrgico e sindicalista, o PT contra-atacou com o slogan “a esperança vence o medo” e catapultou Lula para a presidência.

O medo agora invocado pelo PT não é de Marina – uma figura franzina – mas da sua ambiguidade política e das suas propostas governativas. A estratégia delineada é de pôr tudo em causa, acentuando o factor do risco e explorando a desconfiança e o receio perante o incerto e o desconhecido: a aposta é que os brasileiros decidam entre uma Presidente com personalidade e experiência, embora impopular, e uma adversária que apesar de simpática não oferece garantias de governabilidade – qual delas é o mal menor?

Com muito menos recursos, a campanha de Marina Silva é quase inteiramente baseada na emoção. Dos três candidatos principais, é ela que tem a biografia mais impressionante: uma vida de privações e superações, que nem a candidata nem os seus porta-vozes se cansam de evocar. É também aquela que melhor representa o desejo de mudança expresso pelos brasileiros desde as manifestações de 2013, e a campanha confia que a sua mensagem de “nova política” seja música para os seus ouvidos. E, finalmente, é a que está na mira de todos os ataques. A sua equipa não perdeu tempo em apresentá-la como alvo por razões de preconceito, intolerância e altivez.

A campanha de Aécio Neves vive no dilema de ter de “desconstruir” a candidatura de Marina Silva, para ter hipótese de alcançar a segunda volta, mas sem alienar o seu eleitorado. Se o PSDB conseguir ultrapassar a ambientalista e entrar na ronda definitiva, vai precisar dos votos anti-Dilma para além do bloco conservador. E se ficar pelo caminho logo no dia 5 de Outubro, estará interessado em negociar uma aliança que lhe assegure uma voz forte num futuro governo Marina.

Esta indefinição já mereceu críticas abertas de alguns sectores do PSDB, desanimados com o persistente terceiro lugar nas sondagens (pela primeira vez em 20 anos, o partido arrisca-se a ficar arredado da disputa da segunda volta). Para Marcus Pestana, deputado federal por Minas Gerais, o bastião de Aécio, as circunstâncias exigem uma postura de combate: “Não estamos mais na fase do ‘vamos discutir o Brasil’. Estamos na fase de polarizar e oferecer argumentos. A desconstrução não tem a ver com baixaria, com mentira, mas tem a ver com politização”, defendeu.

Numa avaliação para o Estadão, Pestana contextualizou as escolhas da campanha. “Você tem uma candidata que é a continuidade do que está dando errado e que está levando o país para o abismo, que é a Dilma. Por outro lado, tem mais de 70% [de brasileiros] que acham que têm de mudar. Aí, há duas opções: ou Aécio, ou Marina, que é o sonho que pode virar pesadelo”. Na sua opinião, essa diferença tem de ser explorada, sem romantismos nem contemplações. “Na Argentina, é pancadaria para todo o lado e ganha quem ficar de pé. Nos Estados Unidos também não há uma agenda propositiva, é para falar mal do adversário, ou seja, polarização”, comparou.

Fernando Henrique Cardoso também deu a sua alfinetada. “Não sou marqueteiro, mas a dramatização é um modo de comunicação importante”, observou o antigo Presidente num encontro com grandes empresários em São Paulo. “A Marina respondeu à Dilma de forma dramática quando disseram que ela acabaria com o Bolsa Família. Porque o Aécio não pode fazer isso?”, perguntou.

Os seus conselhos terão sido atendidos, e a campanha iniciou uma nova fase de crítica à Presidente e de demolição da candidatura de Marina Silva. Como Dilma e o PT, os tucanos tentam apelar ao lado emocional dos eleitores, não alimentando a dúvida sobre a candidata, mas lembrando que Marina foi filiada no partido de Lula durante 25 anos. “Marina é a Dilma com outra roupa”, repete agora a propaganda do PSDB. A mensagem é clara: para os brasileiros que querem mudar, a única alternativa é votar Aécio Neves.

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