Cenário mais pessimista aponta para 1,4 milhões de pessoas infectadas com ébola até Janeiro

Se 70% de pessoas com ébola estiver isolada, a epidemia poderá estar contida em Janeiro, mostra um estudo de cientistas dos Centros de Controlo e Prevenção de Doenças, dos EUA, que avalia vários cenários. Pela primeira vez, admite-se a possibilidade do vírus passar a fazer parte das doenças humanas daquela região.

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Além dos óculos, máscara e viseira, as equipas do INEM usam em cima desse material também uma cógula protectora. AFP

Aquele número representará, portanto, o pior dos cenários. Considerando um cenário em que o número de casos de ébola é efectivamente o que tem sido reportado, então estima-se que 550 mil pessoas terão sido infectadas até 20 de Janeiro. Mas, no caso do combate ao ébola escalar e as autoridades de saúde conseguirem nas próximas semanas que 70% dos doentes estejam contidos em camas de hospitais ou outros locais, onde o risco de transmissão do vírus é baixo, então, a 20 de Janeiro a epidemia poderá estar contida.

A boa notícia é que, desde o final de Agosto, tanto a Organização Mundial da Saúde (OMS) como a União Europeia ou os Estados Unidos já anunciaram novas acções de luta contra o ébola, como o envio de 3000 membros das forças armadas norte-americanas para treinar, todas as semanas, 500 trabalhadores da saúde na África Ocidental.

“Acções de grande escala, imediatas – como aquelas que já começaram – podem trazer a epidemia a um ponto de inflexão e a um rápido declínio”, lê-se num comunicado dos CDC, citado pela agência Reuters. O estudo dos CDC teve apenas em conta o número de casos na Libéria e na Serra Leoa até ao final de Agosto.

Ao todo, já morreram 2803 das 5843 pessoas com ébola na Guiné-Conacri, na Libéria e na Serra Leoa, os três países mais afectados pela doença. A epidemia também chegou à Nigéria, com 20 casos e oito mortes, e ao Senegal, com um único caso – um estudante da Guiné-Conacri que fugiu para o Senegal, mas entretanto já se recuperou da doença e foi repatriado.

“Se nós conseguirmos efectivamente isolar as pessoas, a epidemia pode ser travada”, disse Thomas Frieden, director dos CDC, citado pela Reuters. “Tenho confiança de que as piores projecções não se vão confirmar.”

Também os cientistas da equipa de resposta ao ébola da OMS publicaram esta terça-feira um artigo com uma nova estimativa do número total de futuros casos, 20.000, já para 2 de Novembro. Pela primeira vez, a equipa admite que a doença pode passar a ser endémica naquela região africana. Ou seja, a população humana pode passar a ser um reservatório do vírus, que não é assim eliminado.

“Pelo menos a médio prazo, temos de enfrentar a possibilidade de a doença do vírus do ébola vir a tornar-se endémica na população humana da África Ocidental, um cenário que nunca tinha sido contemplado”, lê-se no final do artigo da revista The New England Journal of Medicine (NEJM).

Os cientistas analisaram os dados detalhados de 3343 casos confirmados e 667 casos prováveis de ébola da Guiné-Conacri, Libéria e Serra Leoa. Com esta informação, a equipa estimou a evolução do surto nas próximas semanas, a mortalidade do ébola e alguns dados-chave sobre esta epidemia, como o tempo de incubação médio da doença ou o número de dias que as pessoas esperam, já com sintomas, até irem a um hospital.

Segundo o artigo, o número de casos de ébola duplica a cada 15,7 dias na Guiné-Conacri, a cada 23,6 dias na Libéria e a cada 30,2 dias na Serra Leoa. Feitas as contas, a 2 de Novembro prevêem-se 5740 casos na Guiné-Conacri, 9890 na Libéria e 5000 na Serra Leoa. “Sem uma melhoria drástica nas medidas de controlo, é expectável que o número de casos e mortes continue a aumentar de centenas para milhares por semana nos próximos meses”, lê-se na conclusão resumida do artigo da NEJM.

No documento do plano do combate ao ébola de Agosto, a OMS previa também que 20.000 pessoas ficassem infectadas com ébola, mas num período de nove meses. Os dados actuais mostram que a epidemia acelerou. No artigo da NEJM considera-se também que “é provável que muitos casos não tenham sido detectados”, reforçando a ideia de que o alcance da epidemia continua subestimado.

Para a equipa da OMS, a excepcionalidade do surto actual, o pior de sempre, não se deve a nenhuma característica nova do vírus do ébola, que ainda não tem um tratamento eficaz comprovado, mas sim devido ao contexto onde a doença apareceu e à resposta “insuficiente”.

A dimensão da epidemia “é o resultado da combinação de sistemas de saúde disfuncionais, indiferença internacional, uma grande mobilidade da população, costumes locais, capitais com grande densidade populacional e falta de confiança nas autoridades devido a conflitos armados”, lê-se num editorial da mesma edição da NEJM, assinado por Jeremy Farrar, director do Wellcome Trust, e Peter Piot (o descobridor do vírus do ébola), da Escola de Higiene e Medicina Tropical, duas instituições de Londres. Os dois especialistas em doenças tropicais acusam ainda a comunidade internacional de uma resposta inadequada e tardia: “Poroutras palavras, esta crise poderia ter sido evitada”, afirmam.

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