Acordo de Parceria, uma janela de oportunidade mas de efeitos não imediatos
O novo programa de fundos europeus deve preocupar-se com as regiões mais atingidas pelo desemprego de longa duração e com as empresas exportadoras, propõem os autores.
Em segundo lugar, a oferta de crédito bancário continua limitada pelas exigências comunitárias para proteger a solvabilidade dos bancos. É neste contexto que se abre uma janela de oportunidade com o novo Acordo de Parceria com a União Europeia (AP 2020), e que envolve um montante de apoios e subvenções para os próximos anos de mais de 25 mil milhões de euros, oriundos dos três fundos estruturais e dos outros dois fundos das áreas agrícola e das pescas. Este valor de 25 mil milhões de euros é igual à média anual do investimento dos últimos dois anos.
O AP 2020 pretende atacar os quatro grandes constrangimentos da economia portuguesa: na competitividade e internacionalização das empresas, na inclusão social e emprego, no capital humano e na sustentabilidade e eficiência no uso dos recursos. Nele subjazem as motivações da economia do conhecimento, da formação – da escola à profissão –, da investigação tecnológica e inovação. Terá efeitos no crescimento em geral e na oferta de bens e serviços transaccionáveis. Mas não com a urgência nem com a incidência que seriam necessárias.
Com efeito, os incentivos: ou serão afectados a projetos de maturação relativamente longa, por exemplo o Ensino e Investigação e Desenvolvimento Tecnológico; ou se dirigem a algum alívio do Orçamento do Estado por comparticipação em despesas públicas, nas áreas da promoção do emprego (com soluções algo paliativas e de reduzida sustentabilidade), da inclusão social e combate à pobreza (manifestos subsídios sociais), do ensino e formação ao longo da vida e do ambiente - sem grande rigor, dir-se-á que a parcela dos fundos destinada ao Estado não andará longe de metade do total dos meios do Acordo; ou se destinam à área ambiental, (visando desde o combate às alterações climáticas e a proteção ambiental até à boa gestão dos recursos hídricos, resíduos, lixo e recuperação de passivos ambientais) fundamentais para a melhoria de qualidade e sustentabilidade no uso dos recursos mas sem efeitos relevantes e imediatos no crescimento; ou, ainda, no domínio da competitividade e internacionalização, o mais dirigido às empresas, são, em regra, reembolsáveis e não cofinanciáveis, ao contrário do que tem sido costume – apesar de algumas excepções para as PME – e, por isso, menos efectivos.
Avaliação pouco pragmática
O Acordo desenvolve um exercício teórico complexo e repetitivo que parte da fixação de onze objectivos temáticos (OT) de que decorrem quadros extensos de prioridades específicas. Os OT distribuem-se e cruzam-se nos quatro programas operacionais centrais (PO) correspondentes aos quatro domínios de constrangimento económico que se pretendem remover.
A elegibilidade de candidaturas e selecção dos projectos baseia-se nos resultados esperados – eventualmente empolados – nas variáveis temáticas relevantes. Não podendo a definição das prioridades ser completa nem os critérios sempre quantificáveis, a rigidez de procedimentos não assegura eficiência na hierarquização da valia dos projectos nem a desejável e decidida discriminação em favor do sector transaccionável.
Em segundo lugar, a complexidade do sistema é aumentada com o reforço da componente regional. Com efeito, paralelamente aos PO centrais, são fixados programas operacionais regionais para cada uma das sete regiões de coordenação económica, em que cada um pode cobrir todos os objectivos temáticos. Vai-se mesmo até ao nível das 23 sub-regiões do Continente. Considerando também os dois fundos não estruturais, agrícola e das pescas, a expressão relativa dos meios de atribuição regional será da ordem dos 53%. Não nos parece oportuna esta dispersão regional na atual conjuntura de escassez de recursos.
Por fim, o Acordo assenta numa orgânica de governação complexa: Comissão Interministerial (órgão de orientação e coordenação dos Fundos); Autoridades de Gestão dos Programas Operacionais; Comissões de Acompanhamento dos Programas; Conselhos Estratégicos para o Desenvolvimento Metropolitano e das Sub-regiões. O órgão fulcral de todo o processo é a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, de quadro extenso, a quem compete a monitorização e avaliação da gestão, a reprogramação, a coordenação dos fundos e as ligações às autoridades europeias.
Toda esta construção, potencialmente muito consumidora de recursos humanos e financeiros, geradora de burocracias paralisantes e de confrontos intermináveis dentro e entre órgãos de diferentes níveis, pode impedir a tomada de decisões pragmáticas em prazo curto.
Deixam-se a seguir propostas com o objectivo de reduzir as reservas apontadas e aumentar os efeitos no sector dos bens e serviços transaccionáveis que, surpreendentemente, não integra um objetivo temático próprio.
1. Agilizar as instituições, afeiçoá-las aos objetivos mais prementes e reduzir tarefas burocráticas. Competirá à Agência deduzir do Acordo espaço interpretativo para eliminar burocracias, imprimir pragmatismo às decisões e assestar a mira nos transaccionáveis e no emprego, procurando o equilíbrio com projetos de maturação mais longa ou de menor previsibilidade de resultados. Trata-se de tarefa de conteúdo eminentemente político a demandar o empenho ativo do Governo.
2. Privilegiar a avaliação dos projetos em função de metas económicas realistas. Sendo muito frágil a avaliação de projetos com base em resultados esperados pelos potenciais beneficiários, resulta a necessidade de uma intervenção unificadora da Agência em todo o processo, particularmente na aplicação dos critérios de elegibilidade e seleção por parte das Autoridades de Gestão, apoiadas por peritos. É recomendável que os “painéis de peritos” sejam institucionalizados, de forma integradora e reforçada, em Conselhos de Peritos.
O Acordo prevê a peritagem de todos os projectos superiores a 25 milhões de euros e, ocasionalmente, dos de valor inferior. Dado o nível de indefinição dos critérios de seleção, seria aconselhável que os peritos começassem por proceder a uma primeira triagem de todos os projetos, identificando os casos problemáticos. Releva-se o papel da Agência na promoção da convergência entre as apreciações técnicas do quadro de peritos e as decisões das Autoridades de Gestão dos PO.
Afigura-se imprescindível que as Autoridades de Gestão, sempre que aplicável, como é o caso do sector empresarial, dêem especial relevo à hierarquização dos projectos em função de indicadores básicos, como o valor acrescentado, as exportações líquidas geradas, os postos de trabalho adicionais e as reduções de custos a obter, sempre por unidade de capital aplicado, bem como à análise de viabilidade económica e sustentabilidade financeira.
Em geral, com ênfase nos projetos com retornos mais incertos, como os da área da Investigação e Desenvolvimento Tecnológico, é indispensável instituir metas intercalares cujo não cumprimento conduza à reavaliação do projeto e ao seu eventual cancelamento, com expedita substituição por alternativas.
Naturalmente que o grau de esforço a afectar a estes procedimentos deve ser proporcional à importância dos projetos, aligeirando-os, designadamente pela aludida triagem prévia, nos de menor montante e mérito evidente.
3. Preparar promotores para actuarem como antenas pró-ativas. A intenção de adoptar – e bem – o sistema de balcão único dirigido a potenciais beneficiários do Acordo não se afigura suficiente, pois é manifesta a dificuldade das PME para detectarem as oportunidades abertas e para responderem às exigências burocráticas das candidaturas. Recomenda-se instituir um sistema pró-activo que permita uma divulgação abrangente e suscite a associação de interesses isoladamente ineficazes.
Haverá muitos desempregados com as qualificações requeridas para, após formação acelerada, colaborarem, sob a supervisão das Autoridades de Gestão, com associações empresariais, municípios ou outros órgãos agregadores de potenciais candidaturas e participarem em ações de divulgação e esclarecimento.
4. Abordagens dirigidas a sectores de actividade. O AP 2020 permite uma interpretação pragmática em acções estruturantes que deve ser aproveitada – por exemplo, ao nível da propriedade rural em zonas com excepcionais aptidões agrícolas, como a Costa Vicentina, ou na recuperação da competitividade de unidades fabris através da inovação tecnológica. O mesmo acontece com a elaboração de programas dirigidos a sectores de actividade que ofereçam oportunidades de exportação, de emprego de redução de disparidades territoriais ou de actualização tecnológica, como sejam as cadeias de valor do olival e da floresta, a agroindústria, a aquacultura, a saúde e equipamentos relacionados. Nestes e noutros casos há abertura suficiente para o cofinanciamento, em excepção à regra de reembolso, ou para a majoração de benefícios a clusters.
5. Apoio ao sector transaccionável. É notável o esforço das PME, em especial das medianas, no sentido da exportação. De 2007 a 2012, a intensidade exportadora (exportação/vendas totais) das empresas nacionais cresceu 2 pontos percentuais, para 33,7%, enquanto a das empresas medianas cresceu 3 pp., para 15%; as empresas constituídas há menos de 10 anos respondem já por 1/3 do crescimento das exportações; em cada ano, os novos exportadores andam à volta de 1/3 do total e somam mais de 3% das exportações totais, embora a “mortalidade” neste estrato seja ainda muito elevada, à roda de 50%. (1)
Esta resposta, de importância decisiva, recomenda a inclusão, no domínio “Reforço da Competitividade das PME”, de uma acção dedicada aos bens transaccionáveis e dirigida à consolidação das exportações de PME com inovação, tecnologia e organização, baseada em apoios não reembolsáveis e de cobertura de risco.
6.Uma abordagem dirigida ao Emprego, com impacto económico. É possível e desejável integrar no objectivo temático relativo ao emprego e mobilidade dos trabalhadores acções dirigidas às regiões mais atingidas pelo desemprego de longa duração que não se reduzam à vertente social e representem contribuição para a criação de riqueza e emprego induzido (como seja um programa de recuperação e manutenção de centros históricos e monumentos com atractividade turística).
Disfunções potenciais
Investigação e Desenvolvimento Tecnológico – É um domínio sensível e fragmentado em que a percentagem dos gastos de I&D no PIB é mera indicação de esforço e não pode servir para avaliação de resultados. O associativismo e a interconectividade internacional entre centros de investigação, preconizados no Acordo, permitem uma avaliação agregada e menos contingente dos resultados obtidos, sempre que possível medidos pelo valor acrescentado gerado ao longo de anos consecutivos.
Inovação – As métricas de avaliação de projectos de inovação e dos respectivos resultados devem ser negociadas entre os centros de inovação tecnológica e as empresas que a eles recorrem; uma parte significativa dos incentivos atribuíveis só deveria ser concretizada na parte final do projeto, de modo graduado em função dos resultados atingidos.
Captura por interesses não convergentes com os objetivos últimos do Acordo – A prevista Instituição Financeira de Desenvolvimento que, como grossista, distribuirá pelos bancos linhas de crédito destinadas a empresas, deverá dispor de meios eficazes de controlo das aplicações e capacidade para se opor a desvios aos objetivos dos incentivos. Seria o caso da aplicação de fundos em empresas de viabilidade duvidosa com o objectivo único de recuperar créditos bancários anteriormente concedidos, preterindo outras empresas com projetos meritórios. Na mesma linha, as Comissões de Coordenação com competências de gestão dos PO regionais devem estar atentas a tentativas de captura de incentivos por interesses fora de contexto – desvios na aplicação de critérios de mérito por simpatias político-partidária, por apropriação de lobbies locais com informação privilegiada ou por “candidaturas combinadas”.
(1) Boletim Económico do Banco de Portugal, Inverno de 2013
A seguir: Prioridade ao sector dos bens transaccionáveis