Ucrânia e UE selam acordo de associação, Kiev dá mais autonomia ao Leste
Apesar da ratificação do acordo com Bruxelas, a entrada em vigor de uma das suas cláusulas mais importantes – a do comércio livre – foi adiada de Novembro deste ano para Janeiro de 2016.
O momento era histórico e o Presidente da Ucrânia não poupou nas palavras. "Quem está disposto a morrer pela Europa?", perguntou Petro Poroshenko no seu discurso perante os deputados do Parlamento ucraniano, transmitido em directo e acompanhado pelos eurodeputados em Estrasburgo.
A cerimónia estava marcada para as 10h GMT (11h em Portugal continental) e o presidente do PE, Martin Schulz, não se atrasou um minuto.
"Dois parlamentos a votar em simultâneo é um procedimento histórico e sem precedentes, algo que nos deve deixar orgulhosos", disse Schulz, recebendo os aplausos de muitos dos 697 eurodeputados presentes no momento da votação.
As palavras de Martin Schulz em Estrasburgo e de Petro Poroshenko em Kiev não ocuparam mais de 20 minutos, e a votação final nos dois parlamentos acabou por falar mais alto do que qualquer discurso. Na Ucrânia, os 355 deputados presentes votaram a favor da ratificação do acordo; em França, 535 disseram "sim", 127 disseram "não" e 35 disseram que não queriam dizer nem uma coisa nem outra.
O ambiente em ambos os parlamentos foi de festa, com Martin Schulz a ser várias vezes interrompido com aplausos, tanto em Estrasburgo como em Kiev. "O Parlamento Europeu sempre defendeu a integridade e a soberania da Ucrânia e continuará a agir da mesma forma", disse.
Do outro lado o Presidente ucraniano dramatizava o discurso e lembrava as dezenas de pessoas que morreram durante os protestos na Praça da Independência, em Kiev, e as várias centenas que foram mortas durante a guerra no Leste do país, enquanto lutavam nas fileiras do Exército ucraniano: "Nenhuma nação pagou um preço tão elevado para se tornar europeia." De acordo com os números das Nações Unidas, desde o início da guerra, em Abril, morreram cerca de 2700 pessoas e centenas de milhares procuraram refúgio em outras zonas da Ucrânia e na Rússia.
O grito que serviu de ponto final à intervenção de Petro Poroshenko reforçou a mesma ideia: "Glória à Ucrânia. Glória à União Europeia."
O Acordo de Associação assinado nesta terça-feira obriga a Ucrânia a aprovar um conjunto de reformas que ponha o país no caminho certo para a adesão e foi em tom de aviso que o Presidente ucraniano se dirigiu aos deputados. "A União Europeia só quer uma coisa: reformas. A situação actual não pode servir de desculpa para não agirmos. Vamos fazer tudo em conjunto – Presidente, Governo, Parlamento", disse Poroshenko, numa referência às divisões em Kiev sobre a melhor forma de pôr fim à guerra no Leste e recuperar o país.
Comércio livre adiado
Apesar da ratificação do acordo, a entrada em vigor de uma das suas cláusulas mais importantes foi adiada de Novembro deste ano para Janeiro de 2016. A decisão de adiar o acordo de comércio livre entre a Ucrânia e os países da União Europeia foi tomada em conjunto com a Rússia, no final da semana passada.
Na base deste adiamento está o argumento de Moscovo de que o seu mercado seria inundado por produtos baratos provenientes da União Europeia e exportados depois pela Ucrânia.
O adiamento desta importante parte do Acordo de Associação foi entendido em Kiev como uma vitória da Rússia e levou à demissão do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano, Danilo Lubkivski. Também a oposição ao Presidente Petro Poroshenko fez saber que irá discutir este assunto na campanha para as eleições antecipadas de Outubro.
Em linha com o que tinha prometido quando se candidatou à Presidência, o chefe de Estado ucraniano anunciou a dissolução do Parlamento em finais de Agosto, marcando eleições antecipadas para Outubro – Petro Poroshenko considera que a actual composição do Parlamento, que vem dos tempos do Presidente Viktor Ianukovich, está a bloquear a aprovação de leis que ele considera essenciais para o desenvolvimento do país.
A recusa do antigo Presidente Viktor Ianukovich em assinar o Acordo de Associação com a União Europeia, em Novembro do ano passado, esteve na base das primeiras manifestações em Kiev, que levariam à sua deposição, em Fevereiro, e à ocupação de edifícios governamentais por milícias pró-russas nas províncias de Donetsk e Lugansk, em Abril.
O Presidente Viktor Ianukovich defendeu sempre que a Ucrânia deveria assinar o acordo com a UE, mas mudou de opinião em Novembro do ano passado, a poucos dias da cimeira de Vilnius, na Lituânia, defendendo a "renovação do diálogo activo" com a união aduaneira criada pela Rússia. Por essa altura, a Ucrânia viu-se obrigada a fazer uma escolha, dividida entre a determinação da Rússia em não aceitar a sua adesão à UE e a intransigência de Bruxelas em não admitir conversações entre as três partes.
Autonomia ou independência?
Também nesta terça-feira, o Parlamento ucraniano aprovou duas leis que estavam previstas no acordo de cessar-fogo assinado no dia 5 de Setembro entre o Presidente ucraniano e os separatistas pró-russos – uma com vista a uma maior autonomia das regiões controladas pelas autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk e outra que prevê uma amnistia para os que participam nos combates.
O acordo assinado em Minsk, na Bielorrússia, contou com as assinaturas dos principais líderes separatistas, Alexander Zarkashenko e Igor Plotnitski, mas desde cedo se percebeu que a autonomia que Kiev tinha em mente estava muito distante das pretensões dos combatentes pró-russos.
Numa reacção à lei aprovada nesta terça-feira pelo Parlamento ucraniano, o vice-primeiro-ministro da autoproclamada República Popular de Donetsk, Andrei Purgin, deixou claro que a região do Donbass (que inclui as províncias de Donetsk e Lugansk) "já não tem qualquer relação com a Ucrânia".
"A Ucrânia é livre para adoptar as leis que quiser, mas nós não temos planos para uma ligação federal com a Ucrânia. O Donbass é administrado de forma completamente autónoma", sublinhou Purgin, citado pela agência AFP.
Apesar destas declarações, Andrei Purgin afirmou que os líderes separatistas vão "estudar cuidadosamente" a lei aprovada pelo Parlamento ucraniano, abrindo a porta a "um diálogo [com Kiev] sobre certos assuntos, especialmente económicos ou socioculturais".