Novo medicamento para a hepatite C vai ser dado a 150 doentes até ao final do ano

Autoridade Nacional do Medicamento definiu solução transitória para os doentes com maior risco, enquanto tenta negociar um preço mais baixo com o laboratório que produz o fármaco.

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Há mais de 13 mil pessoas com hepatite C registadas nos hospitais do país Miguel Madeira

O tratamento tem uma eficácia superior a 90%, mas custa 48 mil euros para apenas três meses, podendo alcançar os 150 mil euros por doente, segundo dados da autoridade, que estima que chegar a todos os doentes implicaria uma factura de mais de mil milhões de euros por ano. Ou seja, o orçamento anual que os hospitais gastam em todos os medicamentos. O preço do sofosbuvir, o fármaco do laboratório norte-americano Gilead Sciences, tem sido duramente criticado por várias personalidades do sector da saúde, com o ministro da Saúde, Paulo Macedo, a classificá-lo como “imoral” e com o presidente do conselho de administração do Hospital de São João (Porto), António Ferreira, a falar num valor “pornográfico”.

Nesta segunda-feira, o próprio presidente do Infarmed, Eurico Castro Alves, durante o seu discurso no âmbito das comemorações dos 35 anos do Serviço Nacional de Saúde, que decorreram na Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, referiu o caso da hepatite C como um exemplo de uma doença que introduziu a palavra “comportabilidade” na entrada de inovadores no mercado, reforçando que estão a trabalhar “num conjunto de estratégias” para disponibilizar o medicamento

Com esse objectivo, Portugal juntou-se há alguns meses a outros países europeus que estão a tentar negociar com o laboratório um preço conjunto mais baixo através desta acção concertada – o que até agora não deu qualquer resultado. Um dos argumentos que está a ser utilizado é o fármaco já ser disponibilizado em países como o Egipto por apenas 800 euros.

Por agora, Infarmed consultou todos os hospitais do país para perceber quantos doentes estão registados com hepatite C. Ao todo, há 13.015 pessoas que serão divididas em grupos, consoante a fase da doença em que estão e o tipo de tratamento de que precisam. Os doentes que nunca fizeram qualquer medicamento vão começar por receber os que estão no mercado há mais tempo, visto que nem todos necessitam do mais inovador.

Por outro lado, as pessoas que foram submetidas sem sucesso às soluções que já estavam antes no mercado vão poder ter acesso ao fármaco inovador. Depois de tratados os 150 doentes até Dezembro, a ideia do Infarmed é que todos os anos o SNS consiga chegar a 1000 doentes com as várias alternativas de medicamentos. Entre as 1000 pessoas, a proporção das que recebem o inovador pelo risco de evoluir para casos como cirrose hepática será de cerca de 150.

Para introduzir objectividade na selecção dos doentes que vão ter acesso ao medicamento inovador, a Comissão Nacional de Farmácia e Terapêutica do Infarmed reuniu no final de Agosto para elaborar um documento com as regras que devem estar na base das autorizações de utilização excepcional do fármaco. No documento, a que o PÚBLICO teve acesso, os peritos reconhecem os grandes benefícios do medicamento. Mas, ao mesmo tempo, admitem que o custo elevado “impõe a necessidade de uma avaliação fármaco-económica do seu impacto clínico no âmbito do SNS”.

Para dar resposta “de forma equitativa aos pedidos de tratamento já existentes”, os peritos dividem os doentes em dois grupos: aqueles em que a doença está controlada e cuja evolução deve ser monitorizada através de exames; e os que “evoluíram para estádios mais avançados de doença, com risco de mortalidade ou de ocorrência de complicações”. Para este último caso, o dos doentes que não responderam de forma positiva aos fármacos que já estão em pleno no mercado, os peritos entendem que “é necessário prever a possibilidade de não adiar o acesso” aos medicamentos inovadores “cuja eficácia tenha sido, já, formalmente reconhecida no tratamento de doentes com este perfil”.

A escolha dos doentes será feita através do recurso a elementos clínicos que vão dar origem a um valor que prevê o risco do doente em termos de mortalidade e de progressão da doença. As pessoas com cirrose hepática vão ter uma espécie de “via-verde” para o tratamento, sendo também privilegiados os casos em que a função hepática esteja descompensada ou em que o doente seja classificado em níveis já muito elevados do chamado “Score MELD”, um modelo para a doença hepática terminal.

A nível nacional os dados epidemiológicos apontam para que possam existir 100 mil pessoas infectadas com hepatite C, mas que muitas desconheçam que são portadoras do vírus, por a doença poder permanecer assintomática durante vários anos e por ter uma cura espontânea em 25% dos casos.

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