Mais de 80% das crianças atropeladas em Lisboa estavam junto a escolas
Dados revelados dizem respeito ao período entre 2010 e 2012. O coordenador do Plano de Acessibilidade Pedonal diz que é hora de “arregaçar as mangas e reduzir o volume e a velocidade do tráfego automóvel” na cidade. Já a APSI sublinha que cada escola é um caso, não existindo uma receita universal para promover a segurança.
“A redução da velocidade é a forma mais eficaz e permanente de diminuir o número e a gravidade dos atropelamentos ”, defende Pedro Homem de Gouveia, sublinhando que não se pode fazer depender a segurança das crianças no espaço público “da sua concentração e do civismo dos condutores”. “É fundamental intervir sobre a infra-estrutura”, conclui o coordenador daquele plano municipal, lembrando que há todo um rol de medidas de acalmia de tráfego que é possível introduzir nas estradas do concelho.
De acordo com o retrato traçado pela equipa camarária responsável pelo plano, a partir de dados transmitidos pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, o número de atropelamentos de crianças com idades até aos 14 anos tem vindo a diminuir ao longo da última década. Em 2004 registaram-se quase 100 e desde 2010 esse valor estabilizou em valores na casa dos 60 por ano. Contas feitas, na última década houve 705 atropelamentos de crianças em Lisboa, dos quais resultaram duas vítimas mortais.
Na próxima quarta-feira, por ocasião da Semana Europeia da Mobilidade, a Câmara de Lisboa vai promover uma conferência, na qual se procurará discutir como prevenir os atropelamentos nas ruas da cidade. Na ocasião será dado a conhecer um conjunto de informações sobre as circunstâncias em que esses acidentes ocorrem e sobre as suas vítimas, bem como sobre os locais em que eles se verificam.
Sandra Moço, da equipa do Plano de Acessibilidade Pedonal, antecipou alguns desses dados ao PÚBLICO, destacando, por exemplo, que se se dividir as crianças com idades até aos 14 anos em três escalões etários é no último que há mais atropelamentos. Olhando para um período entre 2010 e 2013, verifica-se que é entre as crianças com menos de cinco anos que se regista o menor número de vítimas.
Também nesse horizonte temporal, constata-se que Junho, Maio e Dezembro são os meses com mais ocorrências, destacando-se pela positiva Fevereiro, Agosto e Julho. Quanto aos períodos horários com maior incidência de atropelamentos de peões com menos de 15 anos, Sandra Moço sublinha a existência de dois picos: entre as 17h e as 19h e entre as 8h e as 9h.
Em conjunto esses dois intervalos de tempo representam 39% dos atropelamentos registados pelas autoridades. “Existe uma coincidência entre as horas com maior número de atropelamentos e o período de entrada e o período de saída das escolas frequentadas por muitas crianças”, nota aquela técnica da Câmara de Lisboa.
E em que circunstâncias ocorrem esses acidentes? De acordo com os dados disponíveis, em primeiro lugar surgem as situações em que as crianças surgem inesperadamente na faixa de rodagem, vindas de trás de um obstáculo. Com frequência idêntica surgem os casos em que as vítimas se encontravam em passadeiras não semaforizadas (zebras) e aqueles em que o atravessamento da estrada estava a ser feito a menos de 50 metros de uma passagem de peões.
Para aqueles que acreditam que se as crianças são atropeladas é porque se atiram para a estrada ou porque atravessam com o vermelho, a equipa do Plano de Acessibilidade Pedonal tem um dado a destacar: “Se combinarmos os atropelamentos ocorridos em zebras, em passagens de peões com sinal verde e quando a criança circulava fora da faixa de rodagem, ou seja, em circunstâncias supostamente seguras para o peão, estes tipos de atropelamento correspondem a praticamente 1/3 do total”.
Por fim, um dado a que a equipa do Plano de Acessibilidade Pedonal dá particular relevância: entre 2010 e 2012 (anos para os quais é possível fazer este tipo de leitura por os dados já se encontrarem georreferenciados), 84% dos atropelamentos de crianças ocorreram a 500 metros ou menos de uma escola pública de Lisboa, e 45% ocorreram num raio de 250 metros.
Na conferência da próxima quarta-feira será também dado a conhecer um estudo encomendado pelo município à Associação para a Promoção da Segurança Infantil (APSI), sobre a “Aplicação dos princípios de acessibilidade e desenho inclusivo às estratégias de segurança rodoviária nas escolas do 1.º ciclo do ensino básico”.
Nele destaca-se que “promover a autonomia da criança no espaço público e a possibilidade de interacção com o mesmo é um elemento muito importante para o seu desenvolvimento (…), para além de crucial para a aprendizagem e aquisição de competências de avaliação do risco e competências para lidar com os perigos”. Uma realidade que não pode deixar de ser conjugada com a necessidade de não se “comprometer a sua segurança e integridade física”.
No estudo da APSI, ao qual o PÚBLICO teve acesso, sublinha-se também que as crianças são “utilizadores do espaço rodoviário especiais e especialmente vulneráveis”, dado que “as suas capacidades – físicas, cognitivas, perceptivas, comportamentais e emocionais – são singulares e completamente distintas das dos adultos”. Algo que os técnicos devem ter em conta “ao construir e reabilitar o ambiente rodoviário”.
Aquela associação relembra ainda que são vários os autores da área a sugerir que as crianças “devem ser consideradas, no planeamento rodoviário, como um indicador de segurança para os peões”. Isto, porque, “se considerarmos o utilizador mais vulnerável como ponto de partida e desenharmos o ambiente rodoviário tendo em conta as suas capacidades e limitações, todos os outros utilizadores, de uma maneira geral, serão beneficiados”.
A APSI nota ainda que “a sinalização não é suficiente para encorajar os condutores a reduzir a velocidade”, pelo que “é necessário que os automóveis sejam forçados a reduzir a velocidade através da infra-estrutura”.
E antes de se partir para o terreno para pôr em prática modificações do ambiente físico que visem aumentar a segurança, a associação faz uma ressalva importante: “Como cada escola é um caso particular não existem ‘receitas’”. Assim sendo, conclui-se no estudo, o processo de tomada de decisão sobre o caminho a seguir “deve ser feito escola a escola, sempre antecedido de uma avaliação rigorosa do espaço”. Além disso, diz-se, “toda a comunidade escolar, incluindo crianças e pais, deverá ser consultada e envolvida".