Juntas de freguesia de Lisboa recorrem à mobilidade e a avenças para resolver falta de pessoal
Em muitos casos, a descentralização de competências da câmara não foi acompanhada pela transição dos trabalhadores considerados necessários. Algumas juntas dizem ter conseguido lidar com o problema através de reorganização internas, mas várias admitem estar a enfrentar dificuldades.
Foi em meados de Março que a Câmara de Lisboa deu início à segunda fase do processo de transição de trabalhadores para as 24 juntas de freguesia, no âmbito da reforma administrativa com a qual ganharam novas competências. Nessa altura, segundo informações divulgadas internamente pela Direcção Municipal de Recursos Humanos, foram abertas 289 vagas, para as áreas de conservação e manutenção, de licenciamento, de intervenção social, cultural, desportiva e educacional e de apoio (recursos humanos, contabilidade, área jurídica, área administrativa e atendimento).
Aos funcionários do município foi dada a oportunidade de indicarem até três freguesia para as quais gostassem de transitar. Do cruzamento dessas manifestações de vontade com os perfis profissionais indicados pelas juntas, às quais foi dada a possibilidade de entrevistarem os candidatos, resultou uma lista de 94 pessoas.
Na quarta-feira a Câmara de Lisboa aprovou uma proposta que contém essa lista, e na qual se avança 15 de Setembro como a “data em que se opera a transição dos trabalhadores”. Respondendo a perguntas do PÚBLICO, o gabinete do vereador dos Recursos Humanos explicou que “rigorosamente são 93 os transferidos nesta segunda fase, que se juntam a sete voluntários transferidos no âmbito da primeira fase”, concretizada a 10 de Março.
Não haverá "transferências não voluntárias"
Confrontada com o desfasamento entre esses valores e as quase 300 pessoas que as juntas disseram ter necessidade de contratar, o município admite que “o regime de voluntariado não foi suficiente”. Ainda assim, Fernando Medina faz saber que o processo de transição de recursos humanos está concluído e que “não será aberta fase para transferências não voluntárias”, possibilidade que estava prevista e que os sindicatos e o PCP sempre contestaram.
Mas o gabinete do vereador Fernando Medina faz uma ressalva, dizendo que o levantamento feito pelas freguesias ainda em Março não está actualizado. “As necessidades actuais das juntas não são as mesmas face ao início do ano, em virtude da adaptação e melhor conhecimento da nova realidade trazida pela reforma”, transmitiu o autarca, acrescentando que desde então as freguesias foram capazes de “adaptar e optimizar as estruturas existentes”.
É também essa a perspectiva do presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (PS), que foi aquela que mais vagas abriu (25). “A nossa visão inicial era manifestamente exagerada”, diz Miguel Coelho. “Entretanto também fomos adaptando o nosso quadro de pessoal às necessidades e competências e alguns trabalhadores da junta adquiriram novas valências”, acrescenta o autarca, admitindo ainda assim que “poderá faltar um técnico ou outro”.
Postura semelhante tem o presidente da Junta de Freguesia de Campolide (PS), que assegura estar “a conseguir dar conta do recado” com os trabalhadores de que dispunha. André Couto explica que promoveu uma reforma da estrutura da junta que permitiu, em conjugação com “alguma solidariedade” entre o pessoal, resolver “algumas falhas” e assumir as competências descentralizadas pela câmara sem dificuldades significativas.
Juntas tiveram dificuldade em atrair pessoal
Nenhuma das 12 vagas que o autarca tinha aberto em Março foi agora preenchida. “Foi muito difícil conseguir atrair pessoas da câmara para a junta”, admite André Couto, explicando que durante as entrevistas percebeu que muito dos potenciais candidatos tinham “algum receio da novidade” e não desejavam transitar para uma junta de freguesia.
“Foi um desperdício total de tempo”, diz por sua vez o presidente da Junta de Freguesia da Estrela (PSD) sobre essas entrevistas, para as quais foram chamados não só os trabalhadores que manifestaram interesse nisso, mas também outros indicados pelo município. Luís Newton tinha identificado a necessidade de contratar 13 pessoas e nem uma vai receber na próxima segunda-feira.
“Vamos ter um imbróglio para resolver”, reconhece o autarca, acrescentando que nestes moldes será “muito difícil” prestar à população um serviço com a qualidade desejável. Luís Newton diz que nalguns casos foi possível “ajustar as novas atribuições a alguns colaboradores”, mas que noutros a única possibilidade será celebrar contratos de prestação de serviços.
“Não vejo outra alternativa senão recorrer temporariamente à prestação de serviços”, constata também o presidente da Junta de Freguesia de Alcântara (PS), Davide Amado, que até ao contacto do PÚBLICO não tinha conhecimento de que a Câmara de Lisboa tinha dado por concluído o processo de transição de recursos humanos para as freguesias.
Autarcas admitem recorrer à mobilidade
“Temos necessidade urgente de pessoal de suporte”, afirma por sua vez o presidente da Junta de Freguesia do Beato (PS), que devido a essa carência contratou uma empresa para fazer o processamento de salários e tem “um ou dois casos de prestadores de serviços”. Hugo Xambre diz mesmo que se não houver um reforço do quadro pessoal da junta esta não está em condições de receber da câmara competências ao nível do licenciamento (as únicas que ainda não foram integralmente descentralizadas para as freguesias) e manifesta a expectativa de que seja possível fazê-lo através da mobilidade de trabalhadores entre instituições públicas.
Também o presidente da Junta de Freguesia do Lumiar (PS) diz que pretende recorrer a esse mecanismo e que já tem aliás “em vista” funcionários não só da Câmara de Lisboa mas também de outros municípios que estarão interessados nessa hipótese. Além disso, Pedro Alves explica que vai “optimizar recursos internos”, que é como quem diz “fazer a ginástica” de “realocar pessoal”, mas também promover a mobilidade inter-carreiras de licenciados que até aqui não estavam na categoria de técnico superior.
Já a Junta de Freguesia das Avenidas Novas (PSD) informa, através de respostas escritas, que “tem aproveitado a situação de mobilidade de trabalhadores em funções públicas para colmatar as suas necessidades”. A entidade presidida por Daniel Gonçalves acrescenta que graças a esse mecanismo “estará em condições de assumir todas as suas competências, pese embora aqui ou ali com algumas dificuldades”.
Nas respostas enviadas ao PÚBLICO, o gabinete do vereador Fernando Medina faz saber que a câmara “aprovará os pedidos de mobilidade que as juntas de freguesia e os trabalhadores venham a suscitar a partir deste momento”.
Quanto à questão de saber se a Câmara de Lisboa não ficará agora com um excedente de pessoal nalgumas áreas (nas quais a transição de trabalhadores para as juntas não foi tão longe como se pensava), o município esclarece que “a lei da reorganização administrativa da cidade vai implicar a reorganização dos serviços da câmara bem como do pessoal afecto a cada área”, processo que “estará concluído até ao fim do ano”.