França assume desvio nas contas e quer mais tempo para cumprir défice
Paris invoca “circunstâncias excepcionais” para abrandar ritmo de redução do défice. Rompuy junta-se a Draghi a defender flexibilização orçamental na zona euro.
Enquanto Jean Claude Juncker apresentava em Bruxelas o novo figuro da próxima Comissão Europeia, o ministro francês das Finanças, Michel Sapin, dava em Paris o primeiro passo de um dossier que começa a agitar o debate na zona euro e que ocupará o novo executivo comunitário: a flexibilização das metas orçamentais.
França prevê que o défice público se situe este ano em 4,4% do PIB, acima dos 3,8% projectados (e que já foram revistos face ao objectivo inicial inscrito na lei do orçamento, de 3,6%). Paris diz haver circunstâncias excepcionais para reduzir o ritmo de correcção do défice. E como o esforço de consolidação abranda, o objectivo de atingir um défice de 3% é adiado em dois anos, de 2015 para 2017.
“Eficácia não significa procurar alcançar objectivo do défice inicial por todos os meios e a todo o custo. Eficácia não significa tomar medidas que agravem o fraco crescimento e abrandem ainda mais a inflação”, afirmou o novo ministro das Finanças de Manuel Valls. Esta é a terceira vez que a meta de 2014 é revista.
O Governo francês tem de enviar à Comissão Europeia o projecto de orçamento de 2015 em meados de Outubro. Jean Claude Juncker e a sua equipa de comissários assumem funções a 1 de Novembro. E o dossier passará inevitavelmente pelas mãos de Pierre Moscovici, o próximo comissário responsável pelos assuntos económicos e financeiros, e que antecedeu a Michel Sapin na pasta das Finanças.
Moscovici viu-se obrigado a esclarecer os princípios que o vão guiar. Numa entrevista ao jornal Les Echos, afirmou: “Não serei o embaixador de França em Bruxelas”. E quando foi questionado sobre a flexibilização das metas, deu uma resposta polida: “É preciso examinar as circunstâncias invocadas, em função dos tratados”, olhar para a “trajectória, a margem. Último princípio essencial: a trajectória, o rumo, a vontade de reformar o país, as acções tomadas para lá chegar [às metas]”.
A mudança de quadro económico é um dos argumentos de Sapin a favor da flexibilização. As previsões de crescimento são agora mais baixas. O Governo estava contar com um crescimento de 1% este ano, agora prevê uma progressão de 0,4%; para 2015, a projecção baixa igualmente de 1,7% para 1%. Sapin diz haver uma “situação excepcional” na zona euro que justifica a flexibilização, num cenário de “crescimento muito fraco” e de “abrandamento da inflação [como] ninguém tinha previsto”.
A Comissão Europeia já veio dizer que Paris deve “especificar claramente medidas credíveis para implementar o ambicioso plano de redução da despesa” para 2015 e para os anos seguintes. A exigência foi transmitida pelo porta-voz da Comissão, Simon O'Connor, que, no entanto, deixou a porta aberta a um adiamento das metas. “A Comissão vai, como é habitual, utilizar toda a flexibilidade prevista no Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas é essencial lembrar que as regras devem ser inteiramente respeitadas”, concedeu.
Na reunião do Eurogrupo de sexta-feira, o tema não passará indiferente aos ministros das Finanças da moeda única. A posição italiana e o facto de o Governo Renzi estar a prever uma estagnação da terceira economia europeia para este ano podem dar um empurrão ao debate.
O equilíbrio entre disciplina orçamental e crescimento voltou à discussão na praça pública pela mão do presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi. E nesta quarta-feira foi a vez de Herman Van Rompuy defender uma leitura mais flexível das regras orçamentais. Prestes a deixar o cargo de presidente do Conselho Europeu, Rompuy esteve em Lisboa a falar numa conferência sobre a união económica e monetária na zona euro. A mensagem que quis deixar vai directa para Berlim e pode resumir-se assim: sem pôr em causa as metas de redução dos défices, os governos europeus devem ter uma interpretação mais flexível das regras do tratado orçamental e do Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC).
“A nível orçamental, é fundamental respeitar as regras comuns acordadas. O Pacto de Estabilidade e Crescimento e o Tratado Orçamental são uma âncora de confiança. Não devemos pôr em risco a nossa credibilidade orçamental, especialmente quando em alguns casos foi recuperada de forma tão difícil. Contudo, temos de usar, da melhor forma possível, a flexibilidade prevista nas regras”, afirmou.