Pela primeira vez, o racismo elimina um clube
A justiça brasileira condenou o Grémio de Porto Alegre à exclusão da Taça do Brasil devido a insultos racistas proferidos por adeptos contra um jogador adversário durante um jogo da competição.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) brasileiro foi tomada por unanimidade. Trata-se de uma punição exemplar e que configura a primeira eliminação de um clube de uma competição por motivos racistas. Até ao momento, o máximo que se tinha visto era a perde de pontos ou a realização de jogos à porta fechada — em França, na época de 2008-09, o PSG foi excluído da Taça da Liga por ter sido considerado complacente com uma tarja exibida pelos seus adeptos e insultuosa para com os habitantes do Norte de França num jogo frente ao Lens, mas foi posteriormente reintegrado depois de a justiça entender que a sanção era desproporcionada.
Grémio diz não ter culpa
O Grémio, que já anunciou que vai recorrer da decisão do STJD, foi ainda multado em 50 mil reais (17 mil euros) e os adeptos identificados serão proibidos de entrar em estádios durante 720 dias, ou seja, quase dois anos. O árbitro e os auxiliares também foram multados e suspensos por não terem relatado o sucedido no relatório de jogo.
Rui Costa, director de futebol do Grémio, mostrou-se indignado com a sentença e disse que, a partir de agora, vai acompanhar todos os jogos do campeonato brasileiro. A ideia é exigir que igual tratamento seja aplicado a outros clubes. “Todo o clube que tiver, seja por quatro ou cinco torcedores, uma atitude racista, vai ter que ser excluído da competição”, disse.
Já Fábio Koff, presidente do Grémio, não considerou a decisão injusta, mas exagerada. “Temos que entender de maneira diferente a injúria racista e a manifestação. O Grémio fez o possível para identificar os autores. Identificou alguns e entregou à polícia diversos vídeos. É isso que está previsto no estatuto do torcedor como responsabilidade do clube”, disse. Koff lembrou, inclusive, que o clube anunciou a suspensão da claque organizada após esta ter entoado cânticos com teor racista no primeiro jogo em casa após os incidentes que envolveram o jogador do Santos.
Quem manifestou imediato apoio ao castigo foi a FIFA. “O Brasil enviou a mensagem certa”, afirmou Joseph Blatter. “Eu disse que o futebol precisa de ser duro ao lidar com os abusos racistas”, acrescentou. Blatter apelou mesmo ao clube para que abdique do recurso, um entendimento partilhado pela FARE, entidade que combate o racismo no futebol e sedeada em Londres. Segundo Piara Powar, seu secretário geral, existe o estereótipo de que no Brasil o racismo não existe e muito menos no futebol”, disse em declarações citadas pelo jornal brasileiro Estado de São Paulo.
A verdade é que são cada vez mais frequentes os casos de discriminação racial no futebol brasileiro. Uma realidade que até há pouco tempo alguns futebolistas brasileiros enfrentavam mas só em campeonatos europeus.
Apesar de o Brasil ter uma população de negros e mestiços que representa mais da metade dos habitantes, segundo o censo mais recente, e de serem comuns as campanhas anti-racismo no futebol, feitas inclusive durante o Mundial, episódios de discriminação ainda ocorrem nos estádios.
No Rio Grande do Sul, Estado com mais de 80% da população autodeclarada branca, houve pelo menos outros três casos de racismo no futebol neste ano, sendo um deles cometido pelos adeptos do Grémio contra um defesa do Internacional.
Itália é um dos países em que estes fenómenos mais vezes ocorrem, mas as punições contra actos deste tipo foram atenuadas pelo novo presidente da Federação Italiana de Futebol, Carlo Tavecchio, contrariando todas as recomendações internacionais. Coincidência ou não, Tavecchio viu-se envolvido numa polémica durante o período eleitoral quando afirmou: “Em Inglaterra, eles identificam os jogadores e, se forem profissionais, podem competir. Aqui, chega um Opti Poba que antes comia bananas e agora joga na Lazio.” Ora, Opti Poba era um nome fictício, mas a associação a Paul Pogba, da Juventus, foi inevitável.