Pais poderão pedir na esquadra lista de agressores sexuais da zona

Proposta do Ministério da Justiça está ainda em fase de discussão e a ser distribuída aos parceiros judiciais.

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Paulo Pimenta

O registo de identificação de condenados por crimes sexuais consta de uma proposta de lei que o Ministério da Justiça (MJ) está a distribuir aos parceiros judiciais para discussão. A duração dos chamados deveres de comunicação varia de acordo com a pena. Quem tiver sido condenado a a multa ou  prisão até a um ano fica cinco anos na lista. Quem tiver sido condenado a 20 fica dez anos.

A questão do acesso a esta lista promete gerar polémica. Além dos magistrados judiciais e do Ministério Público, das polícias e da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o diploma prevê que quem exerce responsabilidades parentais relativas a menores de 16 anos possa solicitar aquelas informações sobre indivíduos condenados.

Os cidadãos não terão acesso directo ao ficheiro central, cuja gestão competirá ao director-geral da Administração da Justiça. Poderão ir à esquadra da PSP ou ao posto da GNR solicitar nome e morada de pessoas condenadas na sua área de residência ou na zona da escola das suas crianças.

“Não existe nenhuma obrigatoriedade de os países europeus constituírem uma base de dados sobre os agressores sexuais”, sublinha Ricardo Barroso, professor na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que se tem dedicado ao estudo dos agressores sexuais. O que existe é a imposição de todos os estados se esforçarem para diminuir os crimes sexuais contra crianças. A criação de um registo de identificação é sugerida, por exemplo, numa directiva aprovada em Dezembro de 2011. Avançar “é uma opção política”. E podia fazê-lo limitando o acesso às autoridades judiciais e/ou policiais.

O PÚBLICO questionou o MJ no sentido de esclarecer as circunstâncias em que a informação pode ser prestada. O objectivo é os pais saberem se na sua área de residência ou da escola do filho mora alguém condenado por crimes daquela natureza, respondeu um membro do gabinete da ministra por e-mail. Se suspeitarem de alguém em concreto, o caminho é a denúncia.

Nem a Comissão Nacional de Protecção de Dados nem parceiros judiciais que terão de ser ouvidos, como a Associação Sindical de Juízes, quiseram, para já, pronunciar-se.

Ricardo Barroso não encontra razões objectivas para que os pais possam ter acesso a tal tipo de informação. “Para que é que isso serve?”, questiona. “A proposta diz que os cidadãos terão de se comprometer a guardar segredo. Quem vai acreditar que no mundo on-line de hoje isso vai acontecer?” Parece-lhe evidente que essa parte da proposta não resistirá à discussão pública.

Coutinho Pereira, psicólogo, técnico da DGRSP, que também tem estudado agressores sexuais, encara a medida como “um mal necessário”. Nos seus estudos encontrou uma percepção distorcida da realidade, da parte dos agressores, que nada ajuda a alterar comportamentos e é nesse contexto que aceita a monitorização de reincidentes. Alguns destes referem-se ao acto criminoso como um jogo, um modo de educação ou mesmo como uma forma de amor.

Maria Clara Sottomayor, professora da Universidade Católica, especialista em Direito de Família, e juíza do Supremo Tribunal de Justiça tem “dúvidas” sobre o acesso dos cidadãos ao registo, até porque a maior parte das agressões sexuais ocorre dentro das famílias. Teme que isso só sirva para gerar algum “pânico”. Mais importante parece-lhe capacitar a sociedade, em particular as crianças, através de campanhas de sensibilização, para perceberem o que é abuso e como o podem denunciar.

Há um tempo que acabou. Com o processo Casa Pia de Lisboa, o país passou da indiferença à hipersensibilidade. Muito do que fora silenciado deixou de o ser. A estatística da Polícia Judiciária comprova-o: depois de uma subida em flecha (270 inquéritos em 2001, 487 em 2002, 1093 em 2003, 1038 em 2004), o número de denúncias estabilizou. Em 2013, a PJ abriu 1227 inquéritos por crimes sexuais contra menores – 330 indivíduos foram constituídos arguidos.

A psicóloga criminal Cristina Soeiro, da PJ, tem estudado o perfil de quem comete este tipo de crimes. Tem participado nos muitos encontros organizados para debater o tema, como o que acontecerá na próxima quinta-feira, na Universidade do Porto, e costuma lembrar que mais de 90% dos agressores sexuais são familiares ou conhecidos da vítima. São quase sempre homens mais velhos (95%) e só “8% sofrem de parafilias (transtorno da sexualidade), como a pedofilia”. Exceptuando o caso, raro, das pessoas com esta perturbação, sublinha também Ricardo Barroso, as taxas de reincidência nos crimes sexuais são muito reduzidas.

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