KPMG recusa validar contas semestrais do antigo BES
Goldman Sachs terá emprestado 635 milhões de euros um mês antes do colapso do BES.
A auditora diz que só a anterior administração tem de responder pelo relatório e contas, argumentando que lhe foram ocultadas “informações relevantes” e que, por isso, o seu trabalho como revisor oficial ficou limitado. Esta “escusa de parecer”, assinada a 29 de Agosto por Sílvia Gomes em representação da KPMG & Associados, foi anexada ao relatório e contas do primeiro semestre do BES que nesta segunda-feira foi publicado no site da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM).
Em causa, diz, está o facto de o resultado do “saneamento” do BES Angola ainda ser desconhecido e de a exposição do BES às empresas do Grupo Espírito Santo conter riscos, não “havendo confirmação de todas as informações relevantes” para as demonstrações financeiras do banco. A KPMG refere ainda as incertezas envolta da transferência de activos que resulta da divisão do BES num “banco mau” e num “banco bom” (Novo Banco), a 3 de Agosto.
Nesta segunda-feira, ficou a saber-se mais um dado sobre os acontecimentos que antecederam a queda do banco. Já com o BES sob forte escrutínio público e a sucessão de Ricardo Salgado indefinida, o Goldman Sachs terá concedido ao banco português um financiamento de 835 milhões de dólares (635,8 milhões de euros) através de um veículo financeiro sedeado no Luxemburgo, o Oak Finance Luxembourg, avançou o Wall Street Journal.
De acordo com este jornal económico, que teve acesso ao prospecto da operação, o financiamento terá acontecido a 3 de Julho, exactamente um mês antes de o banco ser intervencionado. O empréstimo estaria destinado a suportar o financiamento do grupo BES a um projecto da petrolífera estatal da Venezuela, a PDVSA. Com esta aplicação, escreve ainda o Wall Street Journal, o Goldman Sachs venderia produtos financeiros a partir da dívida do BES, mas esbarrou na pouca procura de investidores.
Controlo interno
Para a KPMG, a administração do BES falhou no dever de dar conhecimento “de qualquer facto relevante que tenha influenciado a sua actividade, posição financeira ou resultados”.
Nos seis primeiros meses do ano, o BES apresentou um prejuízo de próximo de 3600 milhões de euros, agravados em 1500 milhões de euros face ao esperado, o que o Banco de Portugal atribui a actos de gestão quando já estava anunciada a saída da administração que restara da equipa de Ricardo Salgado.
Mas quando o governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, apareceu na noite de 3 de Agosto a anunciar uma injecção de 4900 milhões de euros no BES, responsabilizou a administração anterior pelos prejuízos históricos e reforçou que o resultado ultrapassava “largamente os valores previsíveis à luz da informação até então disponibilizada pelo Banco Espírito Santo e pelo seu auditor externo”.
A auditora, porém, diz não ter conseguido “obter prova suficiente e apropriada” de um conjunto de informação. Em curso está uma auditoria forense, por parte do Banco de Portugal e da consultora PwC, às contas semestrais que a KPMG agora recusa validar.
A KPMG rejeita colocar a assinatura nas contas sustentando que não recebeu do conselho de administração do BES uma “carta de representações” onde os gestores assumissem a responsabilidade pelas contas até ao dia 30 de Junho (final do primeiro semestre), pela “informação financeira histórica” do banco, pelo controlo interno das contas e pela informação “de qualquer facto que tenha influenciado a actividade, posição financeira ou resultados do BES”.
Quanto ao seu papel como entidade de revisão oficial de contas, descreve-o assim: “A nossa responsabilidade consiste em verificar a informação financeira contida nos documentos acima referidos [registos contabilísticos], designadamente sobre se é completa, verdadeira, actual, clara, objectiva, lícita e em conformidade como o exigido pelo CVM [Código dos Valores Mobiliários], competindo-nos emitir um relatório profissional e independente baseado no nosso trabalho”.