CP tem mais passageiros nos comboios, mas não evita prejuízos de 112 milhões

Nova estratégia comercial reflectiu-se no tráfego, que subiu 2,6% até Julho. Mas a dívida histórica, que atingiu quase 4000 milhões de euros, continua a penalizar as contas da transportadora pública.

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Número de passageiros cresceu 2,6% até Julho para 63 milhões José Sarmento Matos

A perda de passageiros tem sido uma constante de ano para ano e foi agravada com a crise, pelo facto de a mobilidade ter diminuído fruto do desemprego. A fraude e os aumentos tarifários também têm sido referidos como causas para a queda na procura que afectou não só a CP, como todas as empresas públicas de transportes. Na transportadora ferroviária, os sinais de melhoria começaram a sentir-se em Setembro do ano passado, o primeiro mês em que todos os serviços (do longo curso ao suburbano) registaram aumentos no tráfego.

O relatório do primeiro semestre, divulgado pela empresa na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, confirma a tendência, apontando para um crescimento de 2,4% no número de bilhetes vendidos, para um total de 54,1 milhões entre Janeiro e Junho. Fonte oficial da CP disse ao PÚBLICO que, até Julho, a subida acentuou-se: 2,6% para 63 milhões de passageiros. Os dados provisórios de Agosto, relativos apenas ao longo curso, apontam para um aumento homólogo de 14%, referiu.

É neste serviço que os incrementos têm sido mais acentuados, o que a empresa atribui “aos serviços especiais para eventos ou para períodos de maior afluência” e ainda às “políticas comerciais agressivas que têm sido implementadas”. Só os comboios Alfa apresentaram, no primeiro semestre, uma melhoria de 16,7% no número de passageiros transportados face ao mesmo período de 2013.

Revolução comercial
A mudança que aconteceu na estratégia da CP parece estar a dar frutos. Dos descontos para a compra de bilhetes com antecedência ao fretamento de comboios, a transportadora tem vindo a testar diferentes modelos para inverter as sucessivas quebras no tráfego. Um dos exemplos da nova atitude comercial na transportadora, que parece querer libertar-se da imagem de uma empresa pública pesada e pouco flexível, foi a reacção à abertura da rota da Ryanair entre Lisboa e Porto, no início deste ano. Poucos dias depois do anúncio da companhia low cost, a CP recorria à publicidade para fazer frente à nova concorrência. “Qualidade business, preços Ryanair”, lia-se na campanha.

As vendas acompanharam o aumento da procura, subindo 5% entre Janeiro e Junho para 131,2 milhões de euros. Dados cedidos pela CP mostram que, só em Julho, a subida homóloga dos proveitos de tráfego foi de 4,4%, o que, no acumulado dos sete primeiros meses de 2014, fixa o crescimento em 5,1% para um total de 122,7 milhões de euros de receitas. O volume de negócios global do grupo fixou-se em 163 milhões (incluindo os subsídios à exploração, por exemplo).

Os gastos operacionais da empresa também ajudaram as contas, descendo 7% no primeiro semestre para 156,4 milhões de euros, o que, feitas as contas entre receitas e despesas, permitiu um resultado positivo de 6,6 milhões de euros. No entanto, houve outros encargos, de natureza financeira, que prejudicaram o resultado final, nomeadamente os instrumentos de cobertura de risco associados aos empréstimos (conhecidos por swaps). Os três contratos que se mantinham activos até Junho perderam 52,1 milhões de valor.

Nova dívida para pagar dívida antiga
Além disso, o pagamento de juros associados ao financiamento custou 88,5 milhões de euros, embora tenha reduzido 28% face a 2013. O valor dos empréstimos pedidos pela transportadora cresceu apenas 1% mas está cada vez mais perto dos 4000 milhões de euros, tendo atingido 3952,9 milhões. No relatório, a empresa refere, aliás, que está a pedir crédito para pagar crédito, já que o aumento nesta rubrica “cingiu-se fundamentalmente ao necessário para fazer face ao pagamento de juros”.

Ainda assim, explica que “não conseguiu obter a totalidade do financiamento para pagamento dos compromissos decorrentes do serviço da dívida”. E, por isso, “teve de recorrer a receita da sua actividade de exploração para esse efeito, o que condicionou o pagamento da dívida à Refer”. O facto de não ter saldado as contas com a gestora da infra-estrutura ferroviária do país teve, depois, impacto nas dívidas a fornecedores, que passaram de 159,3 milhões de euros em 2013 para 187,4 milhões este ano.

Estas variáveis fizeram com que a CP chegasse a Junho com um prejuízo de 112,3 milhões de euros, ligeiramente abaixo do registado no primeiro semestre de 2013. Nesse período, as perdas tinham alcançado quase 113 milhões de euros. A partir desta segunda-feira, a transportadora passa a integrar o perímetro das contas públicas, na sequência de alterações das regras a nível europeu. O seu passivo passa, assim, a ser contabilizado como dívida do Estado, como já aconteceu com outras empresas como a Refer e a Metro de Lisboa.

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