Os Black Lips explicaram em Paredes de Coura como crescer bem e ser um bom Bad kid

Depois de um dia tão recheado como foi o de quinta, com Franz Ferdinand, Mac DeMarco ou Thee Oh Sees, a sexta-feira foi bem mais serena em Paredes de Coura. Os Cut Copy foram cabeças-de-cartaz mas não entusiasmaram. Os Black Lips foram um bálsamo de boa loucura, canções pop na ponta da língua e rock’n’roll tatuado no corpo

Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Buke and Gase Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
PERFECT PUSSY Paulo Pimenta
Fotogaleria
PERFECT PUSSY Paulo Pimenta
Fotogaleria
CUT COPY Paulo Pimenta
Fotogaleria
CUT COPY Paulo Pimenta
Fotogaleria
CONOR OBERST Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
BLACK LIPS Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta
Fotogaleria
Paulo Pimenta

“One, two, three, four” e venha nova canção. Chega Bad kids, a última, o My generation da geração deles, e o mosh torna-se mais intenso lá em baixo, junto ao palco, e a dança e a cantoria torna-se mais alegre mais acima no anfiteatro natural.

A meio do concerto, enquanto os Black Lips, distintíssimos marginais do rock’n’roll vindos de Atlanta, na Georgia, deixavam soar, lentamente, a linha de baixo que introduz Oh Katrina, um dos seus singles mais reconhecidos, uma voz grave e bem colocada exorta ao nosso lado: “Vámonos!” Os Black Lips não ouviram o espanhol que queria ritmo, velocidade, acção. Mas foram: e lá arrancou o rock’n’roll garageiro, tão eficaz e urgente quando gloriosamente desconchavado.

De perfeições plásticas está o inferno (e o mundo actual) cheio e os Black Lips, ao longo dos últimos dez anos, têm sido um bálsamo de boa loucura, de canções com a pop na ponta da língua e rock’n’roll tatuado no corpo – não nos espantemos, portanto, se o pessoal da sua geração cantar Bad kids ou Modern art (“turn around, start it over, let’s begin”) como se as canções lhes pertencessem (e pertencem); não nos surpreendamos se, depois de ver um homem-crocodilo invadir o palco de Mac DeMarco, quinta-feira, vejamos no dia seguinte, enquanto tocam os Black Lips, um homem em fato de zebra aos saltos no mosh. É só rock’n’roll e rock’n’roll assim vale muito a pena.

Sexta-feira, no terceiro dia do Vodafone Paredes de Coura, o dia corria ao ritmo habitual. A rua principal da vila cheia de gente nas esplanadas, com velhotes sentados nos bancos, observando a animação. Subindo desde o campismo e pela estrada que o circunda, ia passando gente de toalha ao ombro, encaminhando-se para um mergulho refrescante na piscina municipal.

Viver o festival "à séria"
Poucas horas depois, o duo americano Buke and Gase, que andou a viver o festival "à séria", preferindo uma tenda no campismo ao conforto de um hotel, enfiava-se num campo de futebol para dar mais um dos concertos surpresa das Vodafone Music Sessions. Às 19h, estariam no palco principal com os seus instrumentos inventados – um ukulele barítono eléctrico, por exemplo – para tocar música que é como que versão reduzida a duo das fantasias dos Deerhoof. Pouco antes deles, o power trio barcelense Kilimanjaro inaugurava o palco principal e dava o mote para um cenário que tem sido habitual: carrega-se na distorção stoner, berra-se em voz enrouquecida, o ritmo acelera como nos ensinaram os Motorhead e o povo faz a festa (leia-se mosh, surf sobre o público e demais agitação).

Depois de um dia particularmente recheado, o da quinta-feira que nos ofereceu concertos de Franz Ferdinand, Thee Oh Sees, Mac DeMarco ou Thurston Moore, a penúltima noite de Paredes de Coura foi menos rica em momentos memoráveis mas teve 24 mil pessoas. Depois dos Kilimanjaro, os Linda Martini fizeram o que tão bem sabem: pôr a juventude sónica em alvoroço, guiada pelas palavras gritadas como raiva e catarse (“os ratos vão-nos devorar!”, ouve-se). A banda de Turbo Lento não sabe fazê-lo mal – estar em palco, isto é. E, ao longo dos anos, construiu uma relação privilegiada com um público que, por esta altura, sabe lê-los na totalidade. “Vamos tocar uma canção que vocês não devem conhecer”, diz Cláudia Guerreiro. Está a apresentar Lição de voo nº 1. “Não conhecemos? É a minha preferida de sempre”, exclama o homem atrás de nós, que lhe cantará depois a letra, palavra a palavra. Confirma-se, com os Linda Martini são sempre muitos a ganhar.

Várias horas depois, quando a noite era já madrugada, os Cut Copy, cabeças-de-cartaz de sexta-feira, surgiam como momento atípico: à electrónica muito funcional, guiada pelos sintetizadores e batida house, sucediam-se tangentes ao disco com os Daft Punk no pensamento, pegavam-se em guitarras e cantava-se como Bobby Gillespie, dos Primal Scream, nos seu tempos da Madchester. No ecrã fora projectada a frase “Free your mind”, título do último álbum dos australianos. Se houve libertação ela foi, porém, deveras contida. No topo do anfiteatro natural, via-se um imenso mar de cabeças. Imóveis, sem sinais exteriores de dança, sem que o pó se erguesse como tanto se tem erguido pela dança efusiva e pelo mosh. E nem Lights & Music, o êxito transversal da banda, editado em 2008, alterou significativamente o cenário. Um final contido no palco principal, no dia até agora mais “sereno” desta edição do festival.

Rock em ebulição
Vimos os Yuck, no secundário, devolver-nos os anos 1990 como gostaríamos que os anos 1990 tivessem sido: rock em ebulição, sonicamente bem temperado e com melodia pop assomando entre o ruído (festa, naturalmente); vimos os Perfect Pussy serem terroristas sónicos sem vestígios de subtileza – estridência hardcore, sintetizador à Atari Teenage Riot, uma vocalista berrando muito furiosa, muito ruído e muita raiva mal dirigida. Enquanto isso, Conor Oberst mostrava-se aprendiz talentoso das lições de Dylan, o que montou a Rolling Thunder Revue, e da The Band que gravou Songs From the Big Pink. Guitarra acústica na mão, voz sofrida cantando folk-rock de coração exposto (“when I asked your name, you asked the time”, versos de Lover I don’t have to love, do catálogo Bright Eyes), trouxe uma banda encharcada na tradição americana, com o órgão Hammond como sempre bem-vindo tapete sonoro, com a intimidade de cantautor dando lugar a country-rock acelerando como em locomotiva no velho Oeste. O público acompanhou serenamente, muito dele sentado na relva do anfiteatro. O sobressalto chegaria logo a seguir.   

No palco, um pano branco muito simples, qual cartaz em concerto de baile de finalistas: “Black Lips”. Abaixo dele, um gangue de quatro músicos (ocasionalmente cinco, quando se lhes junta uma saxofonista), abana-se e agita-se ao ritmo da música. Luzes baixas deixam-nos na penumbra, algo acentuado pelos fumos de palco lançados incessantemente. Não é certamente um baile de finalistas. É uma banda que se vê, de forma provavelmente inédita, numa posição de destaque num festival, a ser igual a si própria. São punks com canções pop na cabeça, garageiros com queda para o humor e para pitadas de psicadelismo (e sai o carrossel opiáceo que é a versão de Hippie Hippie Hooray, original de Jacques Dutronc).

Têm baladas de uns anos 1960 sabotados no seu ingénuo optimismo (“Do you really wanna hold my dirty hand”, unem-se em coro). O baterista Joe Bradley, qual Beach Boy muito animado (o penteado não engana), canta abanando a cabeleira. Cole Alexander, gorro na cabeça, qual protagonista de Breaking Bad com uma guitarra nas mãos, exibe convicto uma voz sempre à beira do descalabro. Jared Swilley, o baixista, e Jack Hines, o outro guitarrista, o homem dos espasmos punk, juntam as suas vozes aos coros, com toda a intenção e todo o entusiasmo, nem sempre com a afinação certa (mas quem quer saber de afinação quando as canções têm esta urgência pela vida?). Ouve-se Boys in the wood, rock’n’roll pintado a negro e single do último álbum, o óptimo Underneath the rainbow, ouvira-se Family tree, qual clássico do Brill Building enxertado de genes punk, ver-se-á, enquanto o público frente ao palco continua a celebrar em alegre rebaldaria de mosh e afins, uma banda que traz ao rock uma clareza de propósitos que só pode entusiasmar: são as canções, senhores, e é o que uma banda faz delas, vivendo-as no limite, quando sobe a um palco.

Olhamos para eles, ouvimo-los. São pessoal do garage-rock marginal que invadiu gloriosamente o palco principal de um celebrado festival de verão. São um gangue que ataca a música com o balanço e as melodias dos Beatles nos dias selvagens de Hamburgo (mas com pouco queda para afinarem nas harmonias vocais). Foram o momento mais feliz (em sentido literal e figurado) da noite de sexta-feira em Paredes de Coura - e depois tocaram o já clássico Bad Boys e tudo dança e toda a “juventude sónica” enfrenta, ignorando-a, a desesperança do mundo.

Ao início da tarde do dia seguinte, o anfiteatro natural do Parque Fluvial do Taboão está (quase) vazio de gente. Na vila ou no campismo, recupera-se energia para o último assalto. Ouve-se a trompete de Beirut no palco principal. Zach Condon faz o teste de som. Foram dele e de James Blake os concertos mais aguardados da despedida, no sábado.

Sugerir correcção
Comentar