Operação militar gorada e pedido de resgate antecederam a execução de Foley
Forças especiais entrararam este Verão na Síria para tentar resgatar americanos presos pelos jihadistas. Meses antes, o Estado Islâmico tinha exigido 100 milhões de euros para libertar o jornalista.
A informação é mais uma peça do puzzle sobre o que foram os 21 meses de cativeiro do repórter freelance, sequestrado em Novembro de 2012 na Síria e que, segundo informações reveladas agora por quem partilhou a cela com ele, terá estado sempre nas mãos dos jihadistas. Mas a notícia de que uma grande quantidade de meios foi accionada para uma operação que acabaria gorada é uma pequena amostra dos cálculos que levam o Presidente Barack Obama a resistir aos apelos para um maior envolvimento militar na luta contra o Estado Islâmico – uma decisão que, garantem várias fontes da sua Administração, não está para já em cima da mesa.
Segundo o Washington Post, um dos jornais que obteve informações em primeira mão sobre a operação – levando a Administração Obama a revelar os pormenores de uma missão que desejava manter secreta –, estiveram envolvidos “várias dezenas” de militares de diferentes grupos de operações especiais, transportados em helicópteros Black Hawk fortemente armados e com o apoio de aviões de reconhecimento.
Os dois responsáveis autorizados a falar sobre a missão não confirmaram nem o local onde decorreu nem o tempo que demorou. Outras fontes confirmaram, no entanto, que os helicópteros pousaram num local não muito longe de Raqqa, cidade no Leste da Síria que foi o primeiro bastião dos jihadistas e que é agora capital do seu autoproclamado califado. Os militares americanos dizem que “um bom número” de jihadistas morreu nos combates, em que terá ficado ferido também sem gravidade um soldado, mas a missão “acabou por não ser bem-sucedida simplesmente porque os reféns não estavam no local”.
O jornal adianta que a operação começou a ser planeada depois de seis reféns europeus libertados na Primavera terem revelado que partilharam cativeiro com Foley e outros americanos desaparecidos na Síria. Por decisão das famílias ou das autoridades não se sabe exactamente quem são ou quantos são, mas a imprensa adianta que estão na mão dos EI entre três a quatro cidadãos americanos, entre eles Steven Sotloff, o jornalista que aparece no final do vídeo da execução de Foley e que o seu carrasco ameaça com um destino idêntico se os EUA não pararem os bombardeamentos.
“Tínhamos informação que considerávamos suficiente e quando a oportunidade se apresentou, o Presidente autorizou os Departamento de Defesa a agir de forma muito agressiva e rápida para libertar os nossos cidadãos”, explicou Lisa Monaco, conselheira de Obama para o contraterrorismo, citada pela Reuters. Os EUA admitem que o grupo, que segundo o New York Times inclui também reféns britânicos, foi levado semanas antes da operação para outro local, o que indicia que os captores sabiam que os europeus libertados iriam fornecer informações sobre a sua localização.
Cem milhões por Foley
Num briefing quarta-feira à noite, a Casa Branca afirmou que na decisão do Presidente pesou a informação de que “estes reféns estavam em risco a cada dia que passava”. Uma convicção ligada ao facto de quer os EUA quer o Reino Unido recusarem pagar pela libertação dos seus cidadãos – um negócio que se tornou a principal fonte de rendimento dos movimentos jihadistas – e de desincentivarem as famílias a fazê-lo.
Sabe-se agora que, em Novembro de 2013, após um ano sem grandes pistas sobre o paradeiro do filho, a família de Foley recebeu um email dos sequestradores exigindo o pagamento de um resgate. Phil Balboni, presidente do jornal online GlobalPost para o qual Foley trabalhava quando desapareceu, revelou nesta quinta-feira que os jihadistas exigiram “100 milhões de euros” pela sua libertação, um valor que é superior ao total de dinheiro arrecadado pelos vários grupos jihadistas nos últimos seis anos, segundo um cálculo feito por uma investigação publicada em Julho pelo New York Times.
Balboni, envolvido nos esforços para libertar o jornalista, adiantou que os contactos foram breves – “houve muito poucas mensagens”, “eles não eram muito loquazes” – e depois disso os sequestradores deixaram de comunicar.
O silêncio só foi quebrado na noite do passado dia 13, quando a família recebeu a informação de que Foley iria ser executado em retaliação pelos ataques aéreos ordenados, seis dias antes, por Obama contra posições jihadistas no Norte do Iraque. A informação foi passada ao Governo e o FBI, responsável pela investigação de sequestros de cidadãos americanos, ajudou a família a escrever uma resposta. “Era um pedido de clemência. Uma declaração de que o Jim era um jornalista inocente”, explicou Balboni, numa entrevista à agência Reuters.
O procurador-geral norte-americano, Eric Holder, confirmou a abertura de uma investigação criminal à morte de Foley, mas nem o FBI (que está a liderar a caça ao homem) nem as autoridades britânicas (que passam a pente fino as listas de nomes suspeitos de ligações a grupos radicais) conseguiram identificar ainda o carrasco do jornalista que, no vídeo da execução, fala com claro sotaque britânico.
Esforços que coincidem com um intenso debate sobre a estratégia militar a seguir no Iraque. Em duas semanas, a aviação americana destruiu 90 alvos, mas após a reconquista da barragem de Mossul e a quebra do cerco aos yazidis refugiados em Sinjar, políticos e militares dividem-se sobre a oportunidade de intensificar os ataques. Obama tem insistido nas limitações da aviação para influenciar o jogo de forças no terreno e terá, segundo várias fontes, excluído uma retaliação directa pela morte de Foley. Mas John Allen, que foi comandante das forças americanas no Afeganistão até 2013, juntou-se nesta quinta-feira aos que defendem que os EUA devem assumir como objectivo da operação a destruição do EI, atacando os jihadistas “em toda a extensão”, tanto no Iraque como na Síria.