Prestigiado prémio de matemática atribuído pela primeira vez a uma mulher
Maryam Mirzakhani, iraniana, e Artur Ávila, brasileiro naturalizado francês, são dois dos quatro premiados da Medalha Fields, atribuída a cada quatro anos pela União Internacional de Matemática.
O prémio é um equivalente do Nobel para a matemática. Atribuído pela primeira vez em 1936 (com uma interrupção de 14 anos), desde 1950 que é anunciado de quatro em quatro anos, tendo dois a quatro vencedores por edição. A União Internacional de Matemática (UIM) anunciou o prémio no Congresso Internacional de Matemática, que decorre em Seul, na Coreia do Sul.
“É uma grande honra. Ficarei feliz se encorajar jovens mulheres cientistas e matemáticas”, disse a iraniana, citada pelo site da Universidade de Stanford. “Tenho a certeza que muitas outras mulheres vão ganhar este tipo de prémios nos próximos anos.”
Este ano, cada vencedor representa uma estreia: nunca a medalha tinha sido atribuída a um brasileiro, a um cidadão da América Latina, nem a um austríaco ou a um canadiano. Mas o prémio dado a Maryam Mirzakhani tem um significado maior. “É um momento extraordinário”, disse Christiane Rousseau, vice-presidente da UIM, citada no jornal britânico “The Guardian”. “A Marie Curie teve prémios Nobel na física e na química, no início do século XX, mas na matemática esta foi a primeira vez que uma mulher ganhou o prémio mais prestigiado. Esta é uma celebração para as mulheres.”
Timothy Gowers, um matemático da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, que já recebeu esta medalha em 1998, disse ao jornal britânico Guardian esperar que este prémio acabe com os mitos de que as mulheres têm menos capacidade para a matemática: “Apesar de as mulheres terem contribuído para a matemática durante muito tempo ao mais alto nível, este facto não tem sido visível para o grande público. Espero que a existência de uma medalhada com o Fields, seguramente a primeira de muitas, ponha fim a muitos mitos sobre as mulheres e a matemática e encoraje mais jovens a pensar na investigação em matemática como uma carreira possível.”
Numa entrevista no “site” da Universidade de Oxford, Maryam Mirzakhani falou do contexto em que cresceu em Teerão, num ambiente de pós-guerra entre o Iraque e o Irão, que permitiu mais oportunidades. “Os meus pais sempre me apoiaram e encorajaram. Era importante para eles termos profissões de que gostássemos e que tivessem significado”, explicou. “A directora da escola [do liceu] era uma mulher com determinação, que era capaz de fazer muito para nos dar as mesmas oportunidades dos rapazes.”
A investigadora começou por querer ser escritora e frequentava uma livraria junto da escola. Só no final do liceu é que decidiu enveredar pela matemática. “O meu irmão mais velho foi quem me fez interessar pela ciência em geral”, revelou. “Provavelmente, a minha primeira memória de matemática é da vez em que ele me falou do problema de somar todos os números de um a 100.”
Supostamente, o matemático alemão Carl Friedrich Gauss, do século XVIII e XIX, resolveu o problema em segundos quando era criança. (Há um truque para fazer esta conta. Se pensarmos que a soma de um mais 100 é igual à soma de 2 mais 99 – que dá 101 –, então a soma total é equivalente a multiplicar-se 101 por 50 – o número de pares que existe de 1 a 100. O resultado é 5050.) “A solução foi bastante fascinante para mim. Foi a primeira vez que eu apreciei uma solução bela, apesar de não ter conseguido chegar ao resultado.”
Em 1994 e 1995, recebeu as medalhas de ouro das olimpíadas internacionais de matemática. Depois, licenciou-se na Universidade de Sharif, no Irão, e completou o doutoramento na Universidade de Harvard, nos EUA, em 2004. O trabalho que tem desenvolvido sobre as superfícies de Riemann – algumas destas superfícies fazem lembrar as descidas em caracol nos parques de estacionamento – valeu-lhe a medalha Fields devido “à contribuição excelente para as dinâmicas e a geometria das superfícies de Riemann”, de acordo com um comunicado da UIM.
Artur Ávila foi galardoado devido ao trabalho na “teoria dos sistemas dinâmicos”. Já Martin Hairer recebeu a medalha pelo trabalho sobre a “teoria das equações diferenciais parciais estocásticas”. E Manjul Bhargava recebeu o galardão pela sua investigação na “geometria dos números”.
A medalha é dada a investigadores com 40 anos, no máximo. Tem o valor monetário de 15.000 dólares canadianos (10.275 euros), vindos de um fundo administrado pela Universidade de Toronto, no Canadá. O matemático canadiano John Charles Fields, que deu nome à medalha, concebeu o prémio em 1920. Mas morreu aos 69 anos, quatro anos antes de ela ser entregue pela primeira vez.
Para Maryam Mirzakhani, não é preciso que toda a gente seja matemática. Mas a iraniana acha que nem todos os estudantes dão uma oportunidade a esta disciplina: “Tive maus resultados em matemática durante dois anos a meio do ensino preparatório. Não estava simplesmente interessada em pensar nela. E consigo perceber que sem se estar entusiasmado, a matemática pode parecer fria e inútil.”