Erdogan muda de cargo para continuar a mandar na Turquia

Sondagens para as presidenciais deste domingop mostram que o ainda primeiro-ministro turco deverá vencer já na primeira volta.

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Não houve muito entusiasmo na campanha eleitoral de Erdogan BULENT KILIC/AFP

É a primeira vez que a Turquia vai decidir em sufrágio universal quem vai ser o seu chefe de Estado: o cargo é simbólico e quase exclusivamente cerimonial, com o seu detentor — até aqui escolhido numa votação por consenso no Parlamento —, a exercer sobretudo funções protocolares de representação. A inovação eleitoral será certamente seguida por uma importante mudança institucional: Erdogan quer reformar a Constituição e rever as competências atribuídas ao Presidente, no sentido de lhe conceder novos poderes.

Segundo argumenta, a eleição directa do Presidente justifica a sua “promoção” a principal figura política do país, com um papel mais activo na gestão do país. “Nenhum Presidente deve ser imparcial”, defende. Além de dirigir o Conselho de Segurança Nacional e ter a autoridade final sobre o recurso à força militar, Erdogan quer que o Presidente passe, por exemplo, a convocar e dirigir o conselho de ministros e a nomear os juízes do Supremo Tribunal — uma mudança que, apontam os críticos, confirma a deriva autoritária que se acentuou depois das manifestações da praça Taksim, no Verão de 2013.

Impedido de concorrer a um quarto mandato consecutivo, Erdogan alimentou o tabu sobre uma eventual corrida presidencial, até o seu partido Justiça e Desenvolvimento (AKP, na sigla em turco), que domina o Parlamento, avançar com a sua candidatura como forma de o manter no poder por mais cinco anos — ultrapassando assim, o fundador da Turquia moderna, Mustafa Kemal Atatürk, como o político com mais tempo de governação na história do país.

Apesar da sua enorme popularidade, o desgaste político de Erdogan foi evidente durante a campanha eleitoral. Arrastado para o escândalo de corrupção que envolve o seu Governo — e levantou dúvidas sobre a sua honestidade —, usou a vitimização como estratégia de ataque, como aliás havia feito na votação municipal de Março, que resultou na vitória do seu partido, com 45%. “Erdogan é um mestre na gestão das expectativas. Ele é uma vítima dos inimigos, internos e externos, que continuamente conspiram para o derrubar”, explicou o director do diário Hurriyet, Murat Yetkin, à BBC.

Sem rivais
O líder conservador pós-islamista dominou a campanha, graças ao aproveitamento do aparelho de Estado e dos meios de comunicação estatais. Em dois dias de Julho, a emissão da televisão pública TRT dedicou 533 minutos de tempo de antena a Erdogan, enquanto o principal candidato de oposição, Ekmeleddin Ihsanoglu teve direito a três minutos e 54 segundos, e o jovem político curdo Selahattin Demirtas, o terceiro concorrente, apenas a 45 segundos.

Com 70 anos e praticamente desconhecido para a opinião pública, Ihsanoglu encabeça a candidatura apoiada pelos maiores movimentos de oposição, incluindo o Partido Popular Republicano, de centro esquerda, e o Partido Movimento Nacionalista, de extrema-direita. O antigo diplomata e académico apresenta-se como um “porta-voz da transparência, pluralismo, democracia e secularismo”, contra a “acumulação do poder” e a “centralização do Governo num regime totalitário”. Mas durante a campanha, Ihsanoglu revelou-se incapaz de ultrapassar as desconfianças mútuas de republicanos e nacionalistas e consolidar a sua fragmentada base de apoio.

Demirtas, que tem 41 anos, é o ambicioso vice-presidente do Partido Democrático Popular de esquerda. Como advogado, notabilizou-se na defesa de causas ligadas aos direitos humanos e às minorias: os comentadores assinalam como um dos seus principais sucessos políticos a introdução dos temas curdos no debate nacional.

Nenhum dos dois terá qualquer expectativa realista de derrotar o primeiro-ministro: as sondagens demonstram a popularidade e o favoritismo de Erdogan, que com 57% das intenções de voto deverá assegurar a eleição logo na primeira volta (se não acontecer, uma segunda volta será realizada no próximo dia 24). A maioria dos turcos responsabiliza o primeiro-ministro pela melhoria da situação económica do país— especialmente a classe média, que viu o seu rendimento disponível triplicar na última década —e pela estabilidade política, mostrando-se indiferente às críticas ao estilo autocrático, divisivo e proselitista de Erdogan.

“Não existe a mínima dúvida quanto ao resultado final. Erdogan ultrapassou todos os obstáculos e desafios até agora, lançando uma nova arquitectura que consolida a sua visão para a Turquia”, resumiu o professor de Relações Internacionais da universidade Kadir has de Istambul, Soli Ozel, ao The Wall Street Journal.

Numa análise política dirigida a investidores, o Deutsche Bank antecipa um futuro próximo em que Erdogan tentará “assegurar o poder com a indicação de um aliado leal para o cargo de primeiro-ministro, fortalecer a domínio do AKP e [continuar a] interferir politicamente no sistema judicial, na polícia e nos media”.

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