Save the Children publica nomes de crianças mortas em Gaza “para que sejam as últimas”
“Não há uma única família em Gaza que não tenha sido afectada por uma perda directa”, diz a Unicef. Netanyahu defende que a conduta de Israel foi proporcional e que o Hamas é culpado por ter posto os civis em perigo.
“Ver os nomes das crianças, algumas com apenas meses, escritos em branco e preto dá uma imagem da tragédia que afectou as crianças de Gaza”, disse o director executivo da Save the Children, Justin Forsyth. A agência comprou os anúncios de página inteira no Guardian, Times, Telegraph e Independent. “Uma morte de uma criança é demasiado. 373 mortes é uma indignação que é uma mancha na consciência do mundo”, continuou Forsyth.
Ao publicar estes nomes, “estamos a lembrar ao mundo a necessidade urgente de um cessar-fogo permanente”, disse ainda a Save The Children, quando se cumpria o segundo dia da primeira trégua a valer, com as tropas israelitas já retiradas, muitos habitantes de várias zonas de Gaza a regressarem devagar aos seus bairros arrasados pelos bombardeamentos, e os residentes do Sul de Israel, que têm estado em abrigos ou perto, a voltarem a sair. “Ajudem-nos a garantir que são as últimas.”
Um dia antes, a Unicef publicou um relatório sobre o efeito da guerra nas crianças. “Não há uma única família em Gaza que não tenha sido afectada por uma perda directa”, dizia a responsável da agência das Nações Unidas para a infância, Pernille Ironside. “Não é possível exagerar o impacto que isto tem nas crianças.” Houve crianças mortas, crianças feridas. 2502 crianças feridas, sublinhou a ONU, amputadas, cegas, desfiguradas. Ficaram feridas com gravidade e viram isso acontecer a outros: mortos, amputados, desfigurados.
“Como pode uma sociedade lidar com isto? É uma ferida muito, muito profunda”, dizia Ironside. Responsáveis palestinianos repetiam que querem fazer queixa de Israel ao Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra nesta ofensiva – algo que o estatuto de membro observador na ONU lhes permite fazer directamente, se aderirem ao Tribunal. Esta decisão é uma faca de dois gumes porque abre também espaço a que o Hamas seja investigado também por violações da lei da guerra.
“Desta vez Israel não escapará ao castigo”, disse o ministro da Unidade de Emergência da Autoridade Palestiniana Shawki Issa, citado pela agência de notícias Wattan. “Chegou a altura de responsabilizar Israel e é o que faremos. Já o ministro dos Negócios Estrangeiros, Riad al-Malki, foi mais cauteloso, durante uma visita a Haia: “Queremos ter a certeza que se tomarmos esta decisão todas as facções palestinianas aderem a ela e percebem as suas implicações”, sublinhou. Reconhecendo que isso abre a porta a acusações a palestinianos, contrapôs: “Nada se compara às atrocidades cometidas por Israel”.
Esta quarta-feira, o primeiro-ministro israelita veio falar para repetir a linha de Israel – o responsável pelo sofrimento em Gaza é o Hamas, que ao guardar rockets em escolas e disparar em zonas densamente povoadas atraiu os ataques israelitas nestas zonas. A guerra foi proporcionada e Israel agiu com contenção para evitar vítimas civis, repetiu Benjamin Netanyahu.
Israel aceita mais 72 horas de cessar-fogo
A Save the Children insistia que era preciso mais do que a actual trégua: “72 horas não são suficientes para enfrentar a amplitude da destruição e das necessidades humanitárias”, dizia David Hassel, responsável para os territórios palestinianos da Save the Children. Responsáveis israelitas disseram entretanto que estariam disponíveis a mais 72 horas de trégua, outras fontes tenham dito que o Hamas rejeitou a proposta. Analistas esperam, no entanto, que este cessar-fogo dure, mesmo que não seja seguido de um acordo.
“A longo prazo, precisamos de um acordo de paz que defenda a dignidade e a segurança dos israelitas e dos palestinianos e que inclua o fim do bloqueio para permitir a Gaza começar a reerguer-se”, dizia ainda Hassel.
Aos danos humanos juntam-se os estragos materiais calculados em 4500 milhões de euros. Nas conversações entre os dois lados – indirectas – a decorrer no Cairo, um dos pontos-chave era a abertura do território para permitir reconstrução e algum alívio económico.
Entretanto a Alemanha, França e Reino Unido propuseram voltar a ter uma força internacional a controlar o posto fronteiriço de Rafah, com o Egipto. Este posto foi controlado por uma força da União Europeia depois da retirada israelita da Faixa de Gaza em 2005 até à vitória do Hamas nas eleições.
Durante o último ano, com a mudança de autoridades no Egipto, o posto vinha a ser fechado, estrangulando o território sujeito a bloqueio. A chave para a reabertura parece ser a de que o posto seja controlado pela Autoridade Palestiniana e não directamente pelo Hamas. Mais, Israel quer que seja rigorosamente controlado tudo o que entra no território. Um material sensível é o cimento: os palestinianos precisam de reconstruir tudo o que foi devastado, e nem cimento suficiente tinham para cobrir as sepulturas de alguns dos mais de 1800 mortos da guerra (Israel sofreu 64 baixas militar e três civis). Israel teme, no entanto, que o material seja usado para fazer mais túneis. As questões a discutir no Cairo irão assim desde o papel da Autoridade Palestiniana ao cimento.