Video girl
Com uma dezena de videoclipes, alguns realizados por ela e outros em colaboração, FKA Twigs impôs uma iconografia poética, dual e pós-humana que não tem deixado de surpreender.
Já não constitui novidade que os videoclipes ganharam uma centralidade que parecia perdida. Até aos anos 1980, as capas dos discos e as fotos desempenhavam um papel fulcral na projecção do imaginário dos músicos. Depois surgiu a MTV e os videoclipes tornaram-se revelantes. Com o surgimento da Internet, a MTV perdeu fulgor e os vídeos, durante alguns anos, pareceram esquecidos.
Nos últimos tempos operou-se a reviravolta, com plataformas como o YouTube ou o Vimeo e as redes sociais a transformarem-se em canais de partilha de videoclipes, a maior parte deles pensados enquanto produtos de baixo custo assentes em ideias singulares.
Hoje os vídeos não são apenas uma ferramenta de promoção. São uma forma de cantores e músicos veicularem o seu imaginário, um veículo artístico fundamental que já não é dissociável da música. Fazem parte de um corpo artístico total. No caso de FKA Twigs isso é evidente. Quem vê os vídeos não dissocia a sua música das imagens e vice-versa. Fazem parte da mesma identidade, apesar de serem objectos artísticos diferentes.
FKA Twigs conhece bem o universo dos vídeos porque durante dois anos dançou em muitos deles (Kylie Minogue, Ed Sheeran, Jessie J ou Taio Cruz), sendo ainda hoje reconhecida na rua por algumas dessas imagens. Não espanta que, quando começou a cantar, de imediato os videoclipes tenham adquirido relevância no seu percurso. Tal como acontece na música, tem uma grande preocupação em participar em todos os processos artísticos, daí que tenha optado por realizar alguns dos vídeos pessoalmente ou então em regime de colaboração com outros realizadores como Nick Walker, Tom Beard ou Jesse Kanda. Foi o que aconteceu recentemente também com Nabil Elderkin (Frank Ocean, Nicki Minaj), com quem co-realizou há pouco o vídeo para Two weeks, talvez o mais ambicioso até agora, em termos de produção.
Mas os mais icónicos são provavelmente os videoclipes para a canção Water me, que co-realizou com o artista canadiano Jesse Kanda, onde o seu rosto surge retocado digitalmente, parecendo uma boneca robotizada, num efeito paradoxal de híper-humanização, ou Papi pacify, que ela própria dirigiu, surgindo nos braços de um homem, numa sensual performance física de dominação-submissão.
Esse tipo de dualidade está aliás presente em muitos dos seus vídeos, como em Hide, onde mescla os atributos feminino-masculino, numa performance que, inicialmente, parece animada por computador. E o mesmo sucede no excelente How’s that, realizado com Jesse Kanda, onde o corpo de uma mulher vai sendo desvendado graficamente até não ser mais do que massa disforme.
Em todos eles as cores jogam um papel muito importante. Por vezes FKA Twigs opta por um denso preto-e-branco, ou então pelo contraste de cores muito fortes, como o vermelho, também presente na capa do álbum.
De todas as colaborações visuais que encetou ao longo do último ano e meio, as que produziu com Jesse Kanda – que também criou a capa do disco – parecem as mais relevantes. Os dois conheceram-se através do produtor Arca (com quem Jesse partilhava um apartamento), e o imaginário de ambos ajusta-se na quase perfeição. Em quase todos os projectos artísticos de Jesse Kanda predominam as formas fluídas pós-humanas, com qualquer coisa de graficamente futurista, embora aquilo que projectem seja bem humano, misto de fragilidade, mas também de violência, mais sugerida do que declarada. Exactamente como na música de FKA Twigs.