Fiscalistas afastam perda de controlo fiscal com o fim da declaração de IRS

Comissão de reforma e Ministério das Finanças começaram nesta segunda-feira a ouvir os parceiros sociais. Governo diz que só em Outubro toma decisões.

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O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais diz que o Governo só toma decisões sobre o IRS em Outubro Enric Vives-Rubio

As recomendações do grupo de peritos fiscais começaram nesta segunda-feira a ser discutidas entre a comissão de reforma, o Ministério das Finanças e os parceiros sociais, com a audição das delegações da CIP (confederação empresarial) e da CAP (agricultura), continuando até quinta-feira com os restantes parceiros. Só no final de Setembro é que o Governo recebe o projecto final de reforma. E, até 1 de Outubro, o executivo não abrirá o jogo sobre o que pretende fazer, avisou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Paulo Núncio, dizendo apenas que a reforma terá em conta as famílias com filhos.

Nas mãos da comissão de reforma, liderada por Rui Duarte Morais, deixou a decisão de incluir, ou não, as sugestões dos parceiros. A comissão sugere que seja adoptado um quociente familiar para que os filhos sejam considerados no cálculo do rendimento tributável que determina a taxa do imposto. A sugestão da CIP foi no sentido de aproximar a proposta do modelo francês e aplicar um quociente familiar mais elevado a partir do terceiro filho.

Para além da “protecção da família”, um eixo central da proposta da comissão de reforma foi a simplificação do imposto, através da eliminação ou da redução de cerca de 30 obrigações declarativas.

Num ponto, os fiscalistas ouvidos pelo PÚBLICO estão de acordo sobre a eficácia destas medidas: a administração fiscal tem hoje meios informáticos suficientes para cruzar dados e dispensar um grande número de contribuintes da entrega da habitual declaração de rendimentos, bastando que estes confirmem informações pré-preenchidas pelo Fisco com a nota de liquidação. Segundo a comissão, podem ser abrangidos 3,7 milhões de agregados familiares com as várias medidas de simplificação.

Para além de quem já está excluído de apresentar a declaração de IRS (os contribuintes abrangidos pelo mínimo de existência), a comissão propõe que os trabalhadores com rendimentos de trabalho dependente e de pensões deixem de apresentar este documento. E que os casais que optem pela tributação separada passem igualmente a ter uma declaração simplificada. A declaração continua, no entanto, a existir para os trabalhadores independentes, assim como para os casais que optem por continuar no regime de tributação conjunta.

“À partida [a simplificação] parece não implicar um aumento do risco de fraude e evasão fiscal”, diz Pedro Pais de Almeida, advogado na área fiscal da Abreu & Associados, sublinhando que a administração tributária “tem uma máquina muito bem apetrechada do ponto de vista informático” para garantir que a liquidação do imposto não é posta em causa.

A actual declaração do Modelo 3 do IRS já tem um grande conjunto de informação pré-preenchida, desde os rendimentos de trabalho dependente e pensões, às retenções na fonte, descontos obrigatórios para a Segurança Social, passando pelo NIB do contribuinte ou pela informação relativa a planos individuais de poupança-reforma (PPR) ou quotizações sindicais, se for o caso.

O jurista José Casalta Nabais, professor na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra e antigo assessor do Tribunal Constitucional, diz igualmente que, com o cruzamento de informações que hoje existe, “não haverá muita margem para fuga”. Joaquim Pedro Lampreia, advogado da Vieira de Almeida & Associados, considera que a medida vem “facilitar o trabalho dos contribuintes e da Autoridade Tributária”, mas adverte que o pré-preenchimento não está isento de erros. E admite que há o risco de as pessoas “só darem conta tarde demais de liquidações com as quais não estão a contar”.

Menos facturas
Outra das propostas de simplificação tem a ver com a adopção de um sistema de deduções fixas à colecta das despesas de saúde, educação e habitação, fixado por sujeito passivo. Em vez de os agregados familiares terem de reunir as facturas com as despesas ao longo do ano, passa a haver um valor definido de deduções. São menos declarações a prestar ao Fisco. Elimina-se “o peso do controle e eventual fiscalização das despesas suportadas  pelos contribuintes por parte da Administração Tributária”, refere Pedro Pais de Almeida.

Mas há com isto menos incentivos ao pedido de facturas nas áreas abrangidas pelas deduções? Também neste ponto os fiscalistas dizem que os riscos são contidos. “Um dos grandes incentivos para as pessoas pedirem factura era precisamente a possibilidade de fazer deduções fiscais. Mas esse já não é o paradigma de hoje. E se aliarmos a isto outros incentivos [à facturação], o risco de evasão é mitigado, porque hoje temos maior consciência do cumprimento fiscal”, salienta Serena Cabrita Neto, da sociedade de advogados PLMJ.

Paula Rosado Pereira, responsável pelo departamento fiscal da SRS Advogados e membro da comissão de reforma do IRS, defende a medida. “Entendeu-se que contribuía grandemente para a simplificação de um grande conjunto de incómodos, [porque permite] menos custos de cumprimento, menos encargos de controlo por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira, e [a entrega de] menos obrigações acessórias que, de outra forma, teriam de ser controladas”, explica Paula Rosado Pereira.

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