Impugnar ou não a avaliação aos centros de investigação, eis a questão
Sindicato Nacional do Ensino Superior vai pedir ao ministro Nuno Crato, em carta, a suspensão da avaliação aos centros de ciência e prepara outras iniciativas que poderão passar pelos tribunais. Esta quarta-feira, o Ministério da Educação e Ciência reiterou que todo o processo está a decorrer de forma normal.
Anunciados no final de Junho, os resultados da primeira fase da avaliação a 322 centros de investigação afastaram 154 (48%) da fase seguinte do processo — tal como estava previsto no próprio contrato entre a FCT e a European Science Foundation (ESF), a entidade que organizou a avaliação, e que foi assinado em Abril deste ano.
Como noticiou o PÚBLICO, o contrato, divulgado no site da FCT na sexta-feira, previa a existência de uma quota de aprovações pré-definida: “A primeira fase da avaliação irá resultar numa shortlist de metade das unidades de investigação que serão seleccionadas para seguir para a fase 2.” Especificava-se mesmo um número de passagens à fase seguinte da avaliação: “Um montante fixo de 109.592 euros é acordado para a segunda fase, com base nos seguintes pressupostos: número de unidades de investigação seleccionadas para a fase 2: 163.”
Logo na sexta-feira, a FCT justificava a quota de sucesso dizendo que a passagem dos 163 centros era só “uma estimativa” feita com base na avaliação de 2007. Esta quarta-feira, o Ministério da Educação e Ciência (MEC) repetiu ao PÚBLICO a ideia da estimativa: “O contrato da FCT com a ESF apresenta estimativas baseadas nos resultados da avaliação de 2007, na qual cerca de 50% das unidades a concurso tiveram classificações Good, Fair ou Poor [Bom, Razoável ou Insuficiente]”, respondeu por escrito a sua assessora de imprensa Ana Machado. “Trata-se de estimativas e não de números fixos, tal como já tinha sido dito pela FCT”, disse ainda, acrescentando que, como está a decorrer o período de reclamação dos resultados, “os números não são definitivos”.
Na avaliação de 2007 às unidades de investigação do país, a última, as notas eram Insuficiente, Razoável, Bom, Muito Bom e Excelente, ao passo que actualmente a classificação passou a inclui como nível superior o Excepcional, pelo que o Bom implica agora quase não ter direito a financiamento para despesas de base, entre 2015 e 2020. Ter Bom em 2014 não é assim o mesmo do que ter tido Bom em 2007.
Tudo normal para o Ministério da Educação e Ciência
Irá o MEC manter este processo de avaliação ou vai cancelá-lo? “O exercício de avaliação das unidades de investigação e desenvolvimento decorre normalmente, conforme previsto nos regulamentos do concurso, nos prazos indicados”, dizia ainda esta quarta-feira o ministério.
Entre a comunidade científica paira agora a ideia da impugnação por via judicial do processo de avaliação. Auscultando a comunidade científica, o SNESup organizou duas reuniões em Lisboa, das quais saiu a decisão de entregar ao ministro da Educação e Ciência, Nuno Crato, uma carta a pedir suspensão deste processo de avaliação.
Na carta — para a qual estão a ser recolhidas assinaturas pelos centros de ciência do país e que será entregue a 29 de Julho — considera-se que houve “comprovadas situações de prejuízo e falta de equilíbrio relativas ao processo de avaliação de unidades de investigação”, “muitas das quais tornadas públicas nos últimos dias”. Por isso, é pedida a suspensão do processo.
Além deste pedido, o SNESup tenciona apresentar uma queixa ao Ministério Público. Para isso, está a pedir aos centros de investigação que disponibilizem informação sobre “erros grosseiros” no processo de avaliação, e perguntar-lhes se também querem associar-se a esta iniciativa. “Na nossa opinião, as leis nacionais não foram cumpridas. Isso é diferente de os avaliadores terem feito erros”, diz Romeu Videira, da direcção do SNESup.
“Também daremos apoio jurídico a todas as unidades de investigação que queiram impugnar por via judicial o processo de avaliação”, acrescenta ainda o sindicalista. Caso assim o entendam, os centros de investigação poderão apresentar uma providência cautelar (para suspender os efeitos da avaliação por cautela), que terá sempre de ser acompanhada por uma acção jurídica principal que peça a anulação do processo de avaliação. Ou então avançar só com uma acção principal.
Os resultados e o processo de avaliação vão ser esta quinta-feira discutidos no Conselho dos Laboratórios Associados (CLA), que representa uma rede 26 centros de ciência. À volta desta questão, diz o cientista Alexandre Quintanilha, secretário do CLA, há grandes “preocupações”.
“Uma das coisas que nos surpreendeu é que houve classificações muito estranhas, com grande discrepância. Houve unidades de investigação em que as três notas [dos avaliadores externos] iam de 20 a 8”, refere Alexandre Quintanilha. “Depois ficou a perceber-se que a FCT tinha dado instruções à ESF para cortar 50% das instituições”, refere. “Isso é estranhíssimo. Não conheço nenhuma avaliação feita em qualquer parte do mundo em que essa instrução tenha sido dada. Sou avaliador em vários continentes do planeta e nunca, mas nunca, alguém ousou dar uma instrução dessas”, resume este investigador, que diz sentir “grande perplexidade sobre o que se está a passar”.
“Uma farsa”
O físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra, defende que se cancele avaliação e se inicie outra nova, agora que se sabe da quota dos 50% de aprovações determinada no contrato, que só foi divulgado após alguns pedidos, incluindo a solicitação formal do jornalista e professor de jornalismo António Granado, ao abrigo da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos.
“A comunidade científica tem de confiar no sistema de avaliação. Não poderá aceitar avaliações que são uma farsa e que distorcem a realidade da ciência em Portugal”, diz Carlos Fiolhais.
É esta avaliação uma fraude? “Sim, tudo o indica”, responde o físico. “Numerosas instituições consideram-se defraudadas. Uma avaliação em que o resultado não depende exclusivamente do mérito dos avaliados, mas em que há classificações manipuladas para encaixarem em quotas pré-definidas e escondidas dos avaliados não pode ser considerada honesta.”
Por tudo isto, Carlos Fiolhais considera muito difícil endireitar algo que já nasceu torto. “O mais sério é preparar outro processo de avaliação. Este foi barato [custou cerca de 400 mil euros, enquanto o de 2007 foi 1,6 milhões] e rápido. Não se perdeu muito nem do ponto de vista financeiro nem do ponto de vista temporal”. O mesmo diz Constança Providência, do Centro de Física Computacional de Coimbra: “É preferível recomeçar o processo e assegurar uma avaliação digna desse nome. Tomaremos todas as medidas legais ao nosso alcance para impedir que se concretize uma decisão mal pensada e mal tomada”, diz.
“Claro que é ainda possível corrigir a trajectória, mas acho isso muito difícil de acontecer”, defende ainda o físico Nuno Peres, do Centro de Física da Universidade do Minho. “Tal significaria que a FCT teria que reconhecer que o processo começou enviesado à partida. Não creio que tal venha a ser feito. Assim levanta-se a questão da impugnação do processo”, considera.
Por todos estes motivos, Carlos Fiolhais critica a proposta que o Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) começou por avançar na segunda-feira, para que fossem repescadas para a segunda fase da avaliação os centros que tiveram Excelente ou Muito Bom na avaliação de 2007. Até porque muitas unidades que existiam antes já não existem, porque se fundiram seguindo o apelo à formação de massa crítica feito pela FCT. “Além de não ser ético aceitar uma avaliação sem pés nem cabeça, seria uma falta de bom senso fazer correcções desse tipo. Então iríamos ter unidades repescadas pelas mesmas pessoas que, por imposição da FCT, as liquidaram há pouco tempo, com a agravante que agora tudo isso já é sabido?”