Virá do Qatar o início do fim da carnificina?
Mahmoud Abbas não tem culpa de ser o presidente da AP. Aconteceu suceder a Yasser Arafat, primeiro, em Novembro de 2004, enquanto chefe da Organização da Libertação da Palestina; a partir do ano seguinte, como presidente eleito da Palestina à frente do partido Fatah. A maioria dos palestinianos preferia ver no seu lugar Marwan Barghouti, o activista (admirado até pelo Hamas) que cumpre cinco penas de prisão perpétua em Israel.
O percurso de Meshaal é necessariamente outro: líder político de um grupo considerado terrorista (chegou ao cargo em 2004, depois de Israel assassinar o seu antecessor), o ex-exilado em Damasco não visitou Gaza, quando Israel retirou unilateralmente do território, em 2005, nem pôde assumir qualquer cargo executivo, quando o Hamas venceu as eleições legislativas de 2006 na Faixa.
O que Meshaal tem defendido, para que o Hamas aceite um cessar-fogo que ponha fim à carnificina que em pouco mais de duas semanas matou quase 450 palestinianos (mais de metade desde o início da invasão terrestre, na madrugada de sexta-feira), não é diferente do que têm pedido os líderes no terreno. O fim do cerco a que o enclave é sujeito em permanência e a libertação dos palestinianos que Israel libertou em troca do soldado Gilad Shalit (fim de 2011) e que voltou a capturar. Também quer um compromisso de longo prazo que melhore os “direitos do povo palestiniano”, disse, numa entrevista ao jornal The Telegraph.
Aconteça o que acontecer no Qatar, estranho é que Abbas tenha demorado tanto a lá chegar para conversar com Meshaal. Ou que o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, tenha anunciado que esta segunda-feira chega ao Cairo, de onde partirá para Jerusalém. Se há um cessar-fogo possível, só pode ser o negociado por Meshaal. Se há um país onde esse acordo pode ser discutido, chama-se Qatar ou Turquia – nunca se poderia chamar Egipto.
Há uma semana, as autoridades egípcias fizeram uma proposta de tréguas que o Hamas recusou. Nem o movimento político nem a sua ala armada, as Brigadas Ezzedin al-Qassam, têm qualquer razão para confiar no actual Governo egípcio, formado por militares que há um ano derrubaram e prenderam Mohamed Morsi, líder da Irmandade Muçumana, grupo islamista moderado, aliado ao Hamas, eleito democraticamente pelos egípcios (como o Hamas, em Gaza, em 2006, pelos palestinianos). Já israelitas e norte-americanos preferem naturalmente negociar com os militares egípcios, aliados de décadas.
Meshaal está a viver em Doha desde que abandonou Damasco – o grupo cortou com o seu aliado, que há anos lhe dava abrigo, quando Bashar al-Assad decidiu esmagar os sírios que saíram à rua a pedir mais justiça social e menos corrupção. O Hamas perdeu assim o seu maior apoiante, o Irão, sem saber ainda o que aconteceria no Egipto. Está vulnerável do ponto de vista económico e político, apesar de militarmente parecer recuperado dos últimos conflitos com Israel (um breve, em 2012, e o de três semanas, entre o fim de 2008 e o início de 2009).
O Hamas não queria esta guerra, nem foram os seus combatentes a disparar os rockets iniciais – foi a Jihad Islâmica, grupo armado a operar em Gaza, num acto que desafiou a autoridade do Hamas no território.
Ao décimo terceiro dia, os habitantes do enclave já só querem mesmo o fim das bombas. “Não estamos a pedir Jerusalém”, diz ao New York Times Issam Hamdona, 35 anos, médico da Cidade de Gaza, explicando que defende um cessar-fogo com garantias internacionais, um que que o Governo de Israel seja obrigado a cumprir. “Tudo o que queremos são as nossas necessidades humanitárias.”