Quem quer organizar um grande evento desportivo?
A organização de uns Jogos Olímpicos ou de um Mundial de Futebol ainda é, em muitos casos, uma forma de afirmação política e de exultação do orgulho nacional. Mas raramente é um bom investimento.
As competições cresceram, não apenas em número de praticantes, mas também em exigências organizativas, o que acarreta uma maior factura para o anfitrião de uns Jogos Olímpicos ou de um Mundial de futebol. Os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896, não tiveram longos processos de candidatura nem apresentação de cadernos de encargos. Coubertin, o primeiro presidente do Comité Olímpico Internacional (COI) disse que iam ser na Grécia e assim aconteceu. Já o primeiro Mundial de futebol, em 1930, teve vários candidatos, mas ganhou quem ofereceu mais. O Uruguai ofereceu-se para pagar as viagens de toda a gente, prometeu um estádio novo e disse ainda que iria partilhar os lucros com a FIFA e suportar todas as despesas. Ganhou o Uruguai a cinco candidaturas europeias. Muitas décadas depois, não é assim tão simples. E num contexto de crise económica global, quem é que ainda quer receber um grande evento desportivo?
A resposta é: cada vez menos países estão dispostos a isto. Olhe-se para o exemplo dos Jogos Olímpicos de Inverno em 2022, cujo processo de escolha da sede está a decorrer. Estão na lista final três cidades, Oslo (Noruega), Pequim (China) e Almaty (Cazaquistão), depois de terem saído da corrida Estocolmo (Suécia), Cracóvia (Polónia) e Lviv (Ucrânia). Se a desistência ucraniana se justifica pela instabilidade do país, as duas outras cidades retiraram-se do processo devido a referendos nos quais as populações votaram contra a candidatura aos Jogos. Mesmo a candidatura norueguesa, a mais forte na perspectiva do COI, deverá cair nos próximos meses, porque não tem apoio popular. Restam as candidaturas da China e do Cazaquistão, o que, somando aos organizadores dos próximos dois Mundiais (Rússia e Qatar), pode indiciar uma pool de potenciais organizadores reduzida a países em que a opinião pública é menosprezada.
“São países que não precisam de fazer referendos a perguntar se devem organizar estes eventos”, diz ao PÚBLICO Jonathan Grix, da Universidade de Birmingham, especialista em política desportiva. Grix refere, no entanto, que a dimensão democrática não será a único dado da equação a considerar e que a riqueza de um país, quando acompanhada pelo esclarecimento da sua população, torna difícil a um governo convencer o seu povo de que vale a pena receber um grande evento desportivo. “Como convencer o público que um mega-evento vai trazer mais riqueza? Não precisam dela. Não me parece que o orgulho em organizar um evento desta dimensão tenha desaparecido, mas, quanto mais educada e rica for uma população, mais provável é que dê mais importância a assuntos como a corrupção ou o ambiente”, diz o académico inglês.
O Brasil é um exemplo de como a contestação apareceu em força, mesmo tratando-se de um país onde o futebol é quase uma religião. Aconteceu na Taça das Confederações, aconteceu durante o Mundial e pode acontecer daqui a dois anos, quando o Rio de Janeiro receber os Jogos Olímpicos. “A oportunidade de estes eventos serem uma enorme festa para a população é algo que será sempre integrado nas campanhas e nas propostas para receber um Mundial ou os Jogos Olímpicos, mas, com as redes sociais, a Internet e o desenvolvimento social e dos media, cria-se uma situação em que os governos ponderam se vale mesmo a pena candidatarem-se”, argumenta Kenneth Cortsen, professor de Gestão Desportiva da Universidade de Aarhus, na Dinamarca.
Isso não quer dizer, observa Cortsen, que os países ricos com populações esclarecidas e interventivas não queiram receber os “mega-eventos”. “Ainda vemos países como Alemanha, Inglaterra, França, Espanha, etc, apresentarem propostas, especialmente no que diz respeito ao futebol”, refere. A França, por exemplo, vai receber o Europeu de futebol em 2016, o Japão vai ter os Jogos Olímpicos de Verão em 2020 (aos quais Madrid também foi candidata) e, para os Jogos de 2024, fala-se de muitas propostas europeias (Roma, Paris, Berlim), sendo bastante provável que também exista uma candidatura norte-americana – em 2013, o Comité Olímpico dos EUA convidou 35 cidades para apresentarem propostas, tendo sido seleccionadas quatro: Washington; Boston; Los Angeles; e São Francisco.
Reduzir a escala
Voltemos ao início. O primeiro Mundial de futebol, em 1930, foi realizado em três estádios e recebeu 13 equipas. Os primeiros Jogos Olímpicos da era moderna, em 1896, tinham nove modalidades e 241 atletas. O Mundial, que acabou há uma semana, recebeu 32 selecções e fez-se em 12 estádios, enquanto os Jogos de Londres, há dois anos, envolveram 10.568 atletas de 26 modalidades.
Para além de serem objectivos desportivos primordiais para os atletas envolvidos, estes grandes eventos tornaram-se espectáculos globais, altamente mediatizados e atractivos para patrocinadores. Para os organizadores, de uma perspectiva financeira, nem tanto, até porque a maior parte das receitas com patrocínios e transmissões televisivas fica para as grandes confederações desportivas (FIFA, COI, etc), não para a organização local.
“Muitas vezes, o que um país organizador está à procura é de reconhecimento internacional através da grande exposição mediática, mas deve estar consciente de que nem sempre é um bom negócio. Os líderes políticos dos países usam os eventos para melhorar o seu prestígio político e a sua própria imagem”, observa Kenneth Cortsen. Em Outubro próximo haverá eleições no Brasil. Em 2018, ano do próximo Mundial de futebol, a Rússia também terá eleições presidenciais e Vladimir Putin, muito provavelmente, já terá sido reeleito para mais seis anos no Kremlin quando se derem os primeiros pontapés na bola a 8 de Julho de 2018.
O Brasil não poupou nas infra-estruturas desportivas, gastando 2,56 mil milhões de euros em 12 estádios. A Rússia irá pelo mesmo caminho, também com 12 estádios, enquanto nos planos do Qatar está uma redução para oito estádios, sendo que todos estes Mundiais ficam longe do de 2002, em que cada um dos organizadores, Japão e Coreia do Sul, entraram com dez recintos cada. “De uma perspectiva económica, vemos frequentemente que os gastos na organização destes eventos não vão ter retorno, devido ao pouco uso dos recintos após as competições, e vão ser um fardo para quem paga impostos. Vimos isto acontecer na África do Sul [Mundial 2010], em Atenas [Jogos Olímpicos 2004], etc. Nem sempre é um bom negócio”, relembra Kenneth Cortsen.
Jonathan Grix considera que um país pode, de facto, beneficiar com um grande evento desportivo, mas isso nem sempre acontece e o Brasil pode muito bem ser um exemplo. “As infra-estruturas feitas podem ajudar ao desenvolvimento. Mas gasta-se muito nos estádios, que serão pouco usados. O Brasil é um desses casos. Tem poucas ou nenhumas linhas de comboio e problemas de trânsito terríveis em São Paulo. Como é que receber dois mega-eventos ajudou a melhorar esta situação?”, questiona o académico britânico. Há muitos exemplos de cidades-sede cujo legado destes eventos foram dívidas e elefantes-brancos. Veja-se os Jogos de Pequim em 2008 ou os Jogos de Inverno em Sochi no ínico de 2014. Muitas das infra-estruturas ficaram ou vão ficar ao abandono. Em Atenas, são muitos os destroços olímpicos que povoam a paisagem.
Há excepções. Os Jogos de Munique de 1972 ajudaram a converter um gigantesco cemitério de entulho, gerado pelos bombardeamentos da II Guerra Mundial, num dos parques mais agradáveis da cidade. E os apartamentos da aldeia olímpica continuam na moda e são muito disputados, sobretudo por jovens com mais capacidade financeira. Kenneth Corsen evoca outra organização germânica, mais recente. “O Mundial da Alemanha em 2006 é um bom exemplo de equilíbrio entre despesas e receitas, até porque o país tem infra-estruturas desenvolvidas e bom potencial para o uso após o evento. A Bundesliga tem as melhores assistências da Europa e já percebeu como rentabilizar os seus novos estádios em termos comerciais”, refere Kenneth Cortsen. Mas isto, acrescenta, não significa que países como a Alemanha, que têm tudo no sítio para receber um grande evento, serão sempre os organizadores: “Para a FIFA, a Alemanha seria o anfitrião perfeito, mas o mundo não funciona assim. Também há questões políticas a ter em conta.”
Não será pela riqueza que a Rússia tem estado na linha da frente para receber os grandes eventos desportivos. A Rússia recebeu os Jogos de Inverno em Sochi no início do ano e vai ter o Mundial em 2018. Sochi foram os Jogos mais caros de sempre, o Mundial 2018 pode muito bem ser o mais caro de sempre. Os últimos ciclos olímpicos têm vindo sempre a crescer em termos de investimento. Os Jogos de Londres em 2012 fugiram um pouco a este modelo. Foram menos dispendiosos (custos estimados de 12 mil milhões de euros; Pequim 2008 terá ficado pelos 34,6 mil milhões, número que a organização nunca confirmou) e com menos infra-estruturas construídas de raiz. Das últimas quatro cidades olímpicas de Verão, a capital britânica foi a que menos infra-estruturas permanentes construiu, sete, menos três que o previsto. Pequim teve 12, Atenas foi quem mais construiu (20), enquanto Sydney teve 15 novos sítios em 2000.
A longo prazo, a solução será sempre reduzir a escala destes eventos. “Acho que estamos num ponto de viragem na história dos mega-eventos e que vai conduzir a uma ambição reduzida no que diz respeito a infra-estruturas com eles relacionadas”, considera Wolfgang Maennig, professor de Economia do Desporto da Universidade de Hamburgo, citado pela Reuters. Jonathan Grix entende que o Mundial do Brasil mostrou ao mundo que mais nem sempre é melhor: “Acho que podemos estar a caminho de um modelo que esteja mais próximo do desporto e mais longe da componente comercial.”