Segurança Social recusa pagamento a trabalhadores de empresas em dificuldades
Fundo de Garantia Salarial, criado para pagar as dívidas aos funcionários quando as empresas estão em dificuldades financeiras ou encerram portas, está a indeferir pedidos quando existem planos de recuperação aprovados.
O problema coloca-se desde a entrada em vigor, em 2012, do novo código das insolvências, que prevê novos mecanismos de viabilização de empresas em dificuldades. Porém, essas alterações não foram articuladas com o regime do FGS e a interpretação que os serviços da Segurança Social estão a fazer da legislação em vigor tem levado a que os pedidos dos trabalhadores sejam indeferidos e há mesmo casos em que o pagamento dos créditos foi suspenso e pedida a devolução dos montantes entretanto adiantados. A denúncia foi feita na semana passada pela CGTP, e também pela UGT, na Concertação Social, exigindo que o Governo clarifique a legislação e dê indicações claras à gestão do Fundo para que a situação seja regularizada.
Nestes processos de viabilização, que têm de ser homologados judicialmente, é solicitado ao fundo que adiante o pagamento aos funcionários, passando a ser credor das empresas. No entanto, os serviços entendem que, no caso das empresas insolventes ou em PER com planos de pagamento aprovados pelos credores, as dívidas aos trabalhadores devem ser pagas no âmbito desses planos. E que, por isso, não caberá ao FGS avançar com o dinheiro.
Já os sindicatos defendem que esses planos não garantem o pagamento imediato dos créditos em dívida pela empresa e que nada os distingue de uma situação em que a empresa encerrou as portas. “O Tribunal de Justiça da União Europeia entende que os créditos que devem ser pagos aos trabalhadores são para satisfação de necessidades imediatas. Se o Fundo paga os créditos das empresas insolventes, e que dificilmente conseguirá recuperar, por maioria de razão deveria pagar nos casos em que há um plano de recuperação”, denuncia Augusto Praça, representante da CGTP no conselho de gestão do FGS.
Vítor Coelho, que representa a UGT no FGS, acrescenta ainda que a interpretação das regras “varia” consoante o centro distrital, sem contudo exemplificar. O presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ), que acompanham os processos de insolvências e os PER, concorda que “os trabalhadores têm sempre direito a receber os créditos, haja ou não um plano de pagamentos aprovado, porque as empresas se encontram em situação económica difícil” – um dos requisitos que constam no regulamento do fundo, divulgado no site da Segurança Social.
Augusto Praça alerta que o problema coloca-se em várias empresas, estando em causa “perto de três mil trabalhadores a quem está a ser negado o apoio do FGS”. Um desses casos é o da Novopca. Quando a construtora entrou em insolvência, em 2011, os ex-funcionários requerem o pagamento dos créditos salariais ao FGS, mas o pedido foi indeferido. Num dos processos a que o PÚBLICO teve acesso, o director do centro distrital da Segurança Social de Braga recusa o pedido por entender que “os créditos requeridos ao FGS serão extintos por força da homologação do plano de recuperação da empresa”.
Mais de uma dezena de trabalhadores não se conformaram com a decisão e avançaram com um recurso junto dos tribunais administrativos e fiscais. De acordo com Jorge Estima, advogado desses trabalhadores, já foram proferidas duas sentenças, pelo Tribunal de Almada, ambas a favor dos trabalhadores. “As primeiras duas sentenças vieram favoráveis e o FGS não interpôs recurso. Isso é ilustrativo de que não está seguro da interpretação que está a fazer do regime”, nota em declarações ao PÚBLICO.
A situação financeira da Novopca veio a confirmar, aliás, que o facto de haver um plano de pagamentos aprovado não significa que a situação dos trabalhadores fique salvaguardada. De acordo com Inácio Peres, da APAJ, o processo de recuperação “não foi cumprido” e os credores requereram um PER para a empresa, que ainda corre nos tribunais. Ao que o PÚBLICO apurou, o novo plano de viabilização não conseguiu aprovação pela maioria de credores necessária.
Outro caso aconteceu na Pluricoop, a maior cooperativa de consumo do país que geria 30 supermercados, e que recorreu à insolvência em 2011. Rui Murta, o administrador de insolvência que acompanhou este processo, confirmou que o FGS negou o pagamento aos trabalhadores “quando foi aprovado o plano de recuperação”, que previa “o reembolso ao fundo desses créditos adiantados”.
Rui Murta diz que os funcionários da empresa “estão numa situação de desespero” e explica que tem em mãos outro caso deste tipo: o da Cooplisboa, uma central de compras que estava ligada à Pluriccop. Os sindicatos denunciam que as recusas do fundo também estão a afectar empresas maiores, como a Moviflor, que requereu um PER em 2013 e que continua numa situação financeira muito delicada, e a Rádio Popular, que também foi alvo de um processo especial de revitalização no ano passado.
No primeiro semestre de 2014, o FGS pagou mais de 100 milhões de euros a 27.463 trabalhadores. Até Junho, o fundo conseguiu recuperar 6,8 milhões de euros junto das empresas. O Governo garante que o prazo de resposta aos trabalhadores passou de 18 para seis meses, mas os sindicatos entendem que é preciso melhorar ainda mais este indicador. O PÚBLICO questionou o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social sobre os fundamentos da recusa dos requerimentos e sobre a suspensão dos pagamentos e se é intenção do Governo clarificar as normas, mas não obteve resposta. De acordo com os sindicatos, o secretário de Estado da Segurança Social, Agostinho Branquinho, mostrou abertura para analisar a questão e comprometeu-se a participar numa reunião do conselho de gestão do FGS, marcada para o final de Setembro.