Uma médica que faz greve: “É desta forma que o SNS está a ser destruído… Fazendo as pessoas fugir”

Célia Neves, pediatra e neonatologista em Lisboa.

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Célia Neves, fotografada em 2012 Daniel Rocha

Pediatra há mais de 20 anos, em 2012 Célia Neves explicava ao PÚBLICO que era pouco comum aderir a manifestações e que na altura o fazia, sobretudo, em nome do futuro da Maternidade Alfredo da Costa (MAC) e dos mais de 600 mil bebés que desde 1932 tinham nascido naquela instituição. Agora, no segundo protesto da classe contra o ministério de Paulo Macedo, a também neonatologista voltou a associar-se à greve nesta terça-feira. Na quarta-feira só não pára por estar na escala para as urgências – que fazem parte dos serviços mínimos que são para cumprir.

Para Célia Neves, a grande diferença em relação há dois anos é que abriu horizontes nos protestos e não é só pela MAC que pára, pois sente que não há vontade de que as coisas melhorem e que a Saúde tem caminhado apenas para favorecer “os negócios da saúde”.

Considera que o SNS “está a ser completamente asfixiado” e que lhe “tem estado a ser infligida uma morte lenta que leve a população a acreditar que as soluções privadas são melhores”. “Tivemos um dos melhores serviços nacionais de saúde do mundo e agora caminhamos para o abismo”, lamenta, atribuindo a responsabilidade não a uma entidade em exclusivo, mas a “um conjunto de interesses que se articulam de forma concertada e que resulta criminosa”. Neste ponto destaca o papel que o bastonário da Ordem dos Médicos tem tido, referindo-se-lhe como uma “voz autorizada e honesta” que tem ajudado a evitar o pior.

Da sua experiência, a médica dá como exemplo que a MAC perdeu em dois anos 19 enfermeiros por reforma ou emigração sem que ninguém fosse substituído. “É desta forma que o SNS está a ser destruído… Fazendo as pessoas fugir”, lamenta. “Os profissionais mal pagos trabalham até à exaustão. Não conseguem ter as folgas que a lei determina e, se acedem em fazer horas extras, vêem o seu vencimento ser anulado por impostos crescentes e confiscatórios”, alerta, falando numa “concorrência desleal” com o sector privado.

A pediatra dá mais um exemplo de um caso que a levou a deixar uma das funções que tinha e que a leva a temer que o futuro do INEM passe pela privatização: “Eu era a mais antiga tripulante do INEM neonatal e pediátrico do Sul do país e sentia que o meu trabalho de elemento muito treinado fazia falta ao sistema de transporte. Como não sou tão rica que possa exercer pro bono, suspendi essa actividade ao fim de quase dois anos a trabalhar praticamente de graça. Quando em Abril recebi 75 euros (deduzidos os impostos claro) por 96 horas nocturnas e de fim-de-semana, disse basta!”
 

 

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