Médicos mostram segundo cartão amarelo a Paulo Macedo com greve de dois dias

Hospitais e serviços de saúde afectados na terça-feira e quarta-feira. Momento de contestação comparado ao do tempo de Leonor Beleza.

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Enric Vives-Rubio

Do lado do Ministério da Saúde, a posição é a de que "nenhum dos 22 pontos apresentados como razões para a greve é intransponível". Numa resposta escrita enviada ao PÚBLICO, o ministério garante que muitos dos problemas foram já resolvidos e manifesta-se disponível para continuar as negociações com os sindicatos "na certeza de que ainda é possível salvaguardar a normalidade da prestação de cuidados aos portugueses sem quaisquer interrupções", esperando-se que o pré-aviso de greve seja retirado.

"O Ministério da Saúde não reconhece razões objectivas para a paralisação de dois dias", reitera a nota, que descreve a greve como "particularmente prejudicial para os cidadãos que precisam de cuidados médicos".

De acordo com as estimativas que foram feitas por ocasião da greve de 2012, uma paragem a 100% das actividades médicas que estão foram dos serviços mínimos implicaria o adiamento de cerca de 5000 cirurgias e de 400 mil consultas. Na altura os sindicatos estimaram adesões na ordem dos 95% e a FNAM acredita que desta vez também ficará acima dos 90%.

“Neste momento chegámos a um ponto sem retorno e iremos de radicalização em radicalização até termos os nossos direitos constitucionais e legais assegurados. O ministro teve o cinismo chocante de dizer que nunca se tinha investido tanto na saúde como nos últimos três anos e, perante isto, em termos de interlocução negocial este ministério não tem credibilidade e transformou a mentira em doutrina oficial”, contrapôs ao PÚBLICO o vice-presidente da FNAM, Mário Jorge Neves, garantindo que nada será desmarcado perante a “destruição integral” do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Que credibilidade mereceria o Ministério da Saúde se a escassos dias da greve viesse com alguma manifestação de boa vontade negocial? Nós acreditaríamos nesta conversão tão repentina do ministério?”, questionou.

Para este sindicalista “esta é a situação mais grave pela qual os médicos portugueses se confrontaram”, assegurando que “nem no tempo da Leonor Beleza a gravidade das questões em cima da mesa tinham esta dimensão”. A par com Paulo Macedo, referiu, a antiga ministra da Saúde foi das que mais protestos enfrentou. Há 25 anos, Leonor Beleza assistiu a uma paralisação que contou precisamente com o apoio dos sindicatos e Ordem dos Médicos. Na altura, as questões corporativas como as carreiras médicas, as grelhas salariais e a dedicação exclusiva destes profissionais foram as que mais peso tiveram durante o primeiro mandato de Cavaco Silva. A hostilização era de tal forma que o então bastonário da Ordem dos Médicos, Machado Macedo, chegou a apelar a que nenhum médico participasse em eventos com “a persona non grata”.

Agora, apesar de se manterem muitos dos motivos invocados em 2012 e alguns da década de 1980, como as carreiras médicas, a grande bandeira apresentada pelos sindicatos vai para legislações que o Ministério da Saúde tem preparado sobre a reorganização dos hospitais, a passagem dos médicos para o regime de 40 horas semanais e a formação médica [ver texto que compara os dois protestos]. Questionam também o novo código de ética e conduta para as instituições de saúde, conhecido por “lei da rolha” por a versão inicial (que Paulo Macedo já prometeu que cairia) conter proibições aos comentários negativos que podem ser feitos pelos médicos, nomeadamente junto da comunicação social.

Só que nesta semana há um nome de fora da greve: há dois anos a greve foi convocada pela FNAM e pelo Sindicato Independente dos Médicos (SIM), contanto com o apoio da Ordem dos Médicos e de associações de doentes e de outras áreas da sociedade; agora o SIM decidiu manter-se de fora. O secretário-geral desta estrutura explicou ao PÚBLICO que rejeitam a greve “unilateralmente declarada pela FNAM”, por ainda estar “convicto na negociação e no desenvolvimento da contratação colectiva”. Para Jorge Roque da Cunha, por agora, este é “o tempo do diálogo” e só se essa possibilidade se esgotar é que pensam em novas formas de luta. Questionado sobre o que está melhor agora em termos de negociações comparativamente com 2012, o médico apenas reiterou que acredita no diálogo.

Uma decisão que Mário Jorge Neves respeita mas não entende perante a “clara atitude provocatória e de afrontamento” por parte do Ministério da Saúde, cujas decisões “levadas à letra de lei até levariam ao completo esvaziamento por exemplo do papel da Ordem dos Médicos”. O sindicalista acredita que estamos perante um protesto “num campo tão social que já extravasou muito a própria luta dos médicos”. A ideia é também partilhada pelo bastonário dos médicos, para quem “o diálogo com o Ministério da Saúde entrou em derrapagem”, justificando o apoio à greve com a postura da tutela de “desnorte legislativo”. “O Ministério da Saúde não é sensível aos argumentos, só é sensível a posições extremas, pois até agora só tem produzido promessas vazias e inconsequentes. A Ordem teve de ter uma posição mais interventiva por força das circunstâncias”, acrescentou José Manuel Silva, que tem apelado a que os utentes não vão aos serviços de saúde nestes dias e que se juntem aos protestos.

Do lado dos cidadãos, Manuel Villas-Boas, porta-voz do Movimento de Utentes dos Serviços de Saúde, garantiu que o protesto conta com o apoio das pessoas, que assistem aos problemas no terreno. “Como a greve dos médicos extrapola o problema meramente salarial merece o nosso apoio. O desinvestimento crítico nesta área não pode continuar sob pena de os cuidados serem mais prejudicados”, alertou, apelando à compreensão de todos os utentes que nestes dois dias percam as consultas ou cirurgias programadas (urgências e serviços como quimioterapia, radioterapia e diálise estão garantidos), lembrando que as unidades são obrigadas a remarcar os actos com a maior brevidade possível sem que o doente enfrente de novo uma lista de espera.

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