Neurocientistas europeus apelam à reformulação de grande projecto sobre o cérebro humano

Numa carta aberta à Comissão Europeia, divulgada esta segunda-feira, um grupo de reputados neurocientistas de vários países de Europa afirmam que os critérios científicos e de gestão do multimilionário Projecto Cérebro Humano não estão a ser respeitados.

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Perceber como funciona o cérebro humano é um dos maiores desafios da ciência moderna DR

“Nós, abaixo-assinados, membros da comunidade das neurociências europeia, escrevemos para expressar a nossa preocupação com o rumo que o Projecto Cérebro Humano [HBP na sigla em inglês] tem vindo a tomar”.

É assim que começa uma carta aberta dirigida à Comissão Europeia (CE) – subscrita, entre outros neurocientistas europeus de renome, por Rui Costa e Zach Mainen, da Fundação Champalimaud, em Lisboa – e hoje divulgada na imprensa internacional pelos signatários.

O HBP, que tem por objectivo assumido a modelização do cérebro humano numa máquina de silício, reunia inicialmente em consórcio cerca de 150 equipas de ciência e de tecnologia, três das quais portuguesas.

O projecto foi aprovado pela Comissão Europeia em Janeiro de 2013, no âmbito da iniciativa Tecnologias Futuras e Emergentes da União Europeia, que visa "encorajar investigações visionárias, com uma missão definida, que possam conduzir a avanços nas tecnologias da informação com grandes benefícios para a sociedade e a indústria europeias". E deve receber 100 milhões de euros por ano durante dez anos.

“Porém”, lê-se na carta, "o HBP gerou, logo de início, controvérsia e divisão na comunidade das neurociências europeias. Muitos laboratórios recusaram juntar-se ao projecto (…) devido à sua abordagem demasiado estreita.” E esta concepção tem vindo a estreitar-se ainda mais, acrescenta o documento, fazendo com que mais uma série de equipas tenham entretanto abandonado o projecto.

A carta foi enviada agora, escrevem os signatários, porque a CE tem agendada “uma avaliação formal da primeira fase do projecto [HBP] e da planificação da fase seguinte” e que "estão em jogo 50 milhões de euros por ano da CE para o 'projecto nuclear' e 50 milhões para 'projectos em parceria', vindos principalmente das entidades financiadoras dos países-membros" da União Europeia. "Nesse contexto, queremos dizer que, na nossa opinião, o HBP está no rumo errado (…). Questionamos fortemente a ideia de que os objectivos e a metodologia da liderança do HBP sejam adequados para constituir o núcleo de uma colaboração na Europa que nos permita perceber melhor o cérebro”.

Mais à frente, declaram acreditar “que a avaliação [pela CE] irá mostrar que existem falhanços substanciais na satisfação dos requisitos [de excelência, de impacto, de qualidade e de eficiência da implementação], em especial no que diz respeito à qualidade da governação (…) e à falta de flexibilidade e de abertura do consórcio”.

Os signatários enumeram uma série de recomendações para satisfazer os critérios básicos do projecto. E no caso de não ser possível garantir esses objectivos, apelam a que CE e os Estados-membros redistribuam o dinheiro de outra forma, apoiando “fortemente um mecanismo de financiamento de investigadores individuais, de forma a fornecer o tão necessário investimento nas neurociências europeias”.

E a carta termina: “No caso de não ser possível a CE adoptar estas recomendações, nós, abaixo-assinados, comprometemo-nos a não nos candidatarmos para projectos em parceria com o HBP e instaremos os nossos colegas a juntarem-se a nós nesse compromisso.”

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