Jornais que publiquem textos assinados por estagiários arriscam multa

Comissão da Carteira Profissional de Jornalista ameaça aplicar coima ao PÚBLICO por causa de prática que divide opiniões.

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Redacção de Lisboa do PÚBLICO Daniel Rocha

Para este organismo responsável pela acreditação dos jornalistas, em causa está a violação das disposições legais do Estatuto do Jornalista, segundo as quais estes profissionais são os únicos com “capacidade editorial” para fazer notícias. Em Abril, o PÚBLICO adoptou um novo sistema de co-assinatura para os textos dos estagiários, usando a expressão “editado por…”, de forma a incluir e a responsabilizar o profissional credenciado que acompanhou o trabalho.

Ao contrário dos estágios profissionais, os estágios curriculares não dão direito à emissão de título provisório de estagiário, documento que habilita o seu detentor a assinar textos publicados.

A questão não é, porém, pacífica: se para o Sindicato de Jornalistas a Comissão está a cumprir a sua missão ao aplicar multas nestes casos, tanto no  meio académico como entre os juristas do sector as opiniões dividem-se. “A questão não é linear”, observa um jurista especializado em Direito da Comunicação, João Pedro Figueiredo. Se por um lado a lei de 1999 (Estatuto dos Jornalistas) proíbe os órgãos de comunicação social de usarem estes estagiários para o trabalho habitualmente desenvolvido nas redacções – contactos com fontes de informação e autoria de textos -, por outro a menção de que um profissional credenciado enquadrou esse trabalho pode resolver o problema, observa. “Nesse caso, vejo com dificuldade que se possa dizer que se trata de um texto publicado por um estagiário. Se o que a lei pretende assegurar é a integridade da função, ela fica assegurada.”

Já o presidente do Sindicato de Jornalistas, Alfredo Maia, entende que soluções como a da co-autoria, adoptada pelo Correio da Manhã, tal como a introdução nos textos da expressão “editado por”, apenas iludem a transgressão legal: “O estagiário curricular não está habilitado a exercer a profissão e está a ocupar o posto de trabalho de um profissional”, ainda para mais em época de despedimentos. “Os estagiários são utilizados à borla, como se fossem profissionais”, acusa este dirigente, que admite apenas uma excepção – a publicação de um texto no final do estágio, desde que a qualidade de estagiário do autor esteja assinalada.

O director do Correio da Manhã, Octávio Ribeiro, assegura que não é assim que as coisas funcionam no seu jornal: os jovens saem sempre acompanhados por um sénior em reportagem, explica, com quem depois escrevem os textos a quatro mãos. “A lei ficou parada no tempo”, critica. “A única maneira de praticar jornalismo é fazê-lo. A auto-regulação é a melhor solução neste caso.”

No mesmo sentido vai a opinião do director da licenciatura de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras do Porto, Paulo Frias: “O estágio serve para aproximar os estudantes da prática profissional” e, se o seu papel fica praticamente reduzido ao de meros observadores do trabalho alheio, este período que completa a formação académica “perde o sentido”. “Não consigo entender a posição da Comissão da Carteira Profissional”, diz.

João Marcelino admite que no Diário de Notícias, que dirige, estagiários já assinaram textos sozinhos. Mas não é essa a prática habitual, garante, e muito menos a que defende. “Em termos genéricos, concordo com a deliberação da Comissão da Carteira Profissional. Três meses é muito pouco tempo para os estagiários adquirirem rotinas e desempenharem funções jornalísticas. Agora, se estivermos a falar de seis meses, já acho racional”. Deixa, porém, uma ressalva: “Parece-me que o PÚBLICO tomou uma decisão honesta ao inserir nas notícias essa nota” que indica que foram feitas por um estagiário e revistas pelo editor.

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