Irreconciliáveis, líderes iraquianos precipitam o país para a desintegração
Maliki diz que ofensiva contra jihadistas deve ter prioridade sobre consenso para formar novo governo. Caos no Parlamento agrava pessimismo e presidente do Curdistão quer referendo à independência.
Maliki, que não desiste ser o escolhido do bloco xiita para um terceiro mandato (a sua coligação foi a mais votada nas legislativas), foi à televisão mostrar-se convicto de que os deputados vão conseguir ultrapassar “as fraquezas” e escolher um presidente e um novo governo na sessão da próxima terça-feira. Anunciou também uma amnistia a todas as milícias e tribos que lutaram contra o Governo, com excepção “dos que derramaram sangue” – um gesto que visa minar a aliança entre os rebeldes sunitas e o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS), que foi decisiva para a ofensiva dos jihadistas.
Mas a sua mensagem mais forte é a de que “a grande batalha actual é a batalha da segurança pela unidade do Iraque”. “O processo político vai avançar, [mas] não acredito que haja nada mais importante do que mobilizar as pessoas para apoiar a segurança [do país]”, disse Maliki, citado pelo New York Times.
Palavras que sacodem a pressão – dos EUA, mas também do ayatollah Ali al-Sistani, o líder máximo do xiismo no Iraque – para que seja dada prioridade à formação de um governo inclusivo, capaz de contrariar os sinais de colapso do Estado. Em menos de um mês, Bagdad perdeu para os jihadistas um terço do território iraquiano e o Exército, mesmo com a ajuda das milícias xiitas, tem sido incapaz de o reconquistar. Os peshmerga aproveitaram o vazio para ocupar Kirkuk, a cidade petrolífera que os curdos consideram a sua capital histórica, e o presidente do Curdistão iraquiano disse à BBC que planeia organizar um referendo à independência da região. “O Iraque está dividido de facto. Como querem que fiquemos perante a situação trágica que o país vive?”, disse Massoud Barzani. Em Bagdad, multiplicam-se ataques, atentados e execuções sectárias.
Mas nada foi suficiente para convencer o Parlamento a chegar a um acordo na sessão de terça-feira. A reunião acabou de forma precipitada, quando os deputados sunitas e curdos não regressaram ao plenário após um intervalo. Os dois blocos rejeitam que Maliki seja nomeado de novo primeiro-ministro e dizem que não vão apresentar os seus candidatos a líder do Parlamento (cargo reservado a um sunita) e a Presidente (atribuído a um curdo), enquanto os xiitas não apresentarem um nome alternativo.
O impasse seria só por si mau, mas as trocas de palavras mostram como é mínima a esperança de evitar que o país “entre num túnel negro”, como chamou o presidente em exercício do Parlamento à ameaça de desintegração. Depois de um deputado curdo ter acusado Bagdad de reter fundos do Curdistão, um aliado de Maliki levantou-se e afirmou: “Foram vocês que trouxeram o ISIS para o Iraque e arrearam a bandeira iraquiana em Kirkuk. Chegará o dia em que vamos esmagar as vossas cabeças.”
Com a desintegração do Iraque no horizonte – um cenário que precipitaria o desmembramento do Líbano e da Síria e aproximaria a Arábia Saudita, o Irão e a Turquia de um conflito directo – volta a falar-se do plano de descentralização proposto em 2006 por Joe Biden, actual vice-presidente dos EUA, e Leslie H. Gelb, presidente emérito do Council on Foreign Relations. O objectivo seria dar às comunidades o governo dos seus territórios, mantendo Bagdad apenas o controlo da política externa e das fronteiras. Mas para isso seria preciso um diálogo para que nenhuma das partes está disponível. “A desintegração já aconteceu”, disse ao LA Times Adam Ereli, antigo embaixador no Iraque, afirmando que uma ideia que teria sido útil há oito anos “não passa agora de uma ilusão”.