Há mais de um ano que o encenador francês Sylvain Creuzevault está fechado numa sala de ensaios com 20 actores e uma obra fundadora do mundo tal como o encontrámos quando chegámos ao século XX — uma obra que é praticamente impossível imaginar transformada no “espectáculo mais divertido do mundo”. Mas sim, nas mãos de Sylvain Creuzevault e da sua D’Ores et déjà, O Capital, de Karl Marx, será uma comédia. Uma “comédia pura, dura”: “Não pintaremos de cor-de-rosa, longe disso, a personagem do capitalista e do terratenente, nem a do operário arcaico, ou a do camponês simplório (...), ou a dos endividados do mundo inteiro (...). A nossa perspectiva consiste não em amar os homens, mas o que os devora”, explica Creuzevault, enquanto vários teatros europeus contam os meses que faltam para a estreia da nova criação do autor de O Nosso Terror. São cinco meses, no nosso caso: O Capital chega à Culturgest a 6 de Junho, e é previsível que continue na nossa cabeça cinco meses depois, quando começarmos a fazer listas dos melhores de 2014 (O Nosso Terror, que passou pela Culturgest em 2010, ficou em segundo lugar na votação dos críticos do PÚBLICO).
Antes disso, veremos outras odisseias do século XX transformadas em pequenas peças de câmara — em Viseu, onde o Teatro do Vestido está a recolher histórias de vida de retornados para estrear Retornos, Exílios e Alguns que Ficaram já no dia 31. A seguir, a companhia de Joana Craveiro viaja até ao Porto: Até Comprava o Teu Amor (mas não sei em que moeda se faz esta transacção) é uma das estreias do Teatro Nacional São João (TNSJ) para o primeiro trimestre. Há mais um link, aliás, entre o Viriato e o TNSJ: Almada Negreiros. Em Viseu, João Sousa Cardoso fará Mima-Fatáxa (15 de Fevereiro), com Ana Deus, Ricardo Bueno e cerca de 20 desempregados da região; no Porto, Ricardo Pais junta-se a uma crew de b-boys para a operação al mada nada (26 de Março), visita dançada à obra do poeta “futurista e tudo”. Ainda no Porto, o Teatro Bruto também se faz a um livro — O Filho de Mil Homens, do muito já da casa Valter Hugo Mãe, com estreia a 20 de Março —; um dia depois a Circolando retoma a colaboração com a bailarina Ainhoa Vidal e com Pedro Gonçalves, dos Dead Combo, em Paus e Pétalas (que passará depois por Guimarães e Lisboa).
Noutro teatro nacional, o D. Maria II, o ano começa com o Teatro Praga a passar a revista às tropas (literalmente: será um espectáculo de revista à portuguesa, o que quer que isso possa significar nas mãos de Pedro Penim, José Maria Vieira Mendes e André e. Teodósio) em Tropa-Fandanga (20 de Fevereiro), comemoração dos 40 anos do fim da Guerra Colonial e dos 100 anos do início da Primeira Guerra Mundial. Depois, haverá mais um Pinter dos Artistas Unidos (O Regresso a Casa), que em Setembro irão ao Centro Cultural de Belém fazer a Gata em Telhado de Zinco Quente. Perto, no São Luiz, Natália Luiza encena a Ode Marítima de Álvaro de Campos (5 de Março), Jorge Listopad dá a ver Instalação do Medo, de Rui Zink (13 de Março), Luís Miguel Cintra adapta Íon, de Eurípides (24 de Abril) e Tiago Rodrqueigues lê um clássico, a Bovary de Gustave Flaubert (7 de Junho). Em Almada, Rogério de Carvalho monta um Tartufo (7 de Março), enquanto no segundo semestre o croata Ivica Buljan, profundo conhecedor de Bernard Marie-Koltès, encena Cais Oeste e Rodrigo Francisco se atira a um dos seus favoritos, Hemingway, em Kilimanjaro. Antes, claro, ainda há mais um festival: já se sabe que L’Architecture de la Paix, do Théâtre Pigeons International, virá ao São Luiz e que Ganesh Versus the Third Reich (o deus indiano e Hitler têm uma suástica em comum...), do Back to Back Theatre, à Culturgest.
Na dança, há regressos — Meg Stuart traz Built to Last ao Maria Matos, Mathilde Monnier vai à quarta edição do GUIdance com um programa para o Ballet National de Lorraine, Lia Rodrigues mostra Pindorama na Culturgest e em Serralves, Akram Khan volta ao CCB com Desh e Ann Papoulis Adamovic, que dançou para Merce Cunningham, faz o seu comeback com Mirage —, mas também há objectos ainda por identificar. É o caso de Grind, de Jefta Van Dinther, talvez a maior surpresa deste GUIdance agora com o dedo de Rui Horta.
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