O nome dele é Prince e ainda é funky

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Prince

É um dia calmo lá em casa. A campainha toca. Espreita-se pelo óculo da porta para ver quem é. Vislumbra-se um homem baixo, cabelo com gel, roupas coloridas, sapatos de salto alto e Bíblia na mão. Pensamos ser um sósia de Prince. Depois o homem fala, diz que quer falar connosco sobre Deus, fica-se curioso e abre-se a porta. E às tantas percebe-se que não é um sósia. É mesmo ele.

Em Portugal não se corre esse risco. Mas em pequenas cidades do interior dos Estados Unidos, nos últimos dez anos, tem acontecido. A maior parte das vezes não é reconhecido. Às vezes enverga até uma roupa mais comedida e faz questão de metamorfosear o cabelo. Mas muitos já apanharam o sobressalto da vida, abrindo a porta a uma testemunha de Jeová e acabando a falar com uma das maiores estrelas pop das últimas três décadas.

A história vem contada no jornal inglês "Daily Mirror", que distribuiu gratuitamente o seu último álbum, "20Ten", na edição de sábado passado, mas tem sido reafirmada ao longo dos últimos anos em vários artigos de imprensa. Prince é Testemunha de Jeová, professando com convicção, inclusive no porta a porta.

Nada disso interessava, se ele não estivesse de regresso. Há o álbum novo, provavelmente o seu melhor desde "Sign 'O' The Times" (1987). Houve uma aparição recente, em Paris, ao lado de Stevie Wonder. Há essa relação de admiração em relação à fadista Ana Moura, que o levou a assistir a um espectáculo seu em Paris o ano passado. Dessa relação resultará a interpretação, em estreia, e em dueto, no Meco, de "Walk in sand", uma canção do último álbum dele, composta a pensar em Portugal. E há uma série de concertos recentes entusiasmantes, como há 15 dias no festival Roskilde, da Dinamarca, perante 70 mil pessoas, onde tocou sucessos de sempre ("Kiss", "Little red corvette", "1999", "Let's go crazy", "Purple rain") e versões surpreendentes como "Le freak" dos Chic, "Shake your body" dos Jackson 5 ou "Everyday people" de Sly & The Family Stone.

E há, claro, esse concerto no Festival Super Bock Super Rock, no Meco, no próximo domingo, pelas 23h45. Curiosamente é um evento onde se poderão encontrar alguns dos seus descendentes como Jamie Lidell (hoje, 19h) ou Mayer Hawthorne (hoje, 20h10), para além de muitos outros pontos de interesse provenientes da pop electrónica, como os Cut Copy (hoje, 21h20) e Hot Chip (sábado, 22h30), do rock menos convencional, como os Grizzly Bear (hoje, 23h30), Julian Casablancas (sábado, 21h), Vampire Weekend (sábado, 23h50) e National (domingo, 21h30) ou das linguagens dançantes, como Richie Hawtin (hoje, 01h).

Ninguém sabe o que irá acontecer exactamente no Meco. A imprevisibilidade ainda faz parte dele. Quem o viu em Portugal (em 1993 no Estádio de Alvalade e em 1998 no Pavilhão Atlântico e, horas mais tarde, no Lux, num concerto-surpresa onde se fartou de improvisar) sabe-o. Mas é previsível que se apresente com um naipe alargado de músicos e bailarinos. Que demonstre uma excelente forma física aos 52 anos. E que apresente êxitos - ficando de fora os que possuem carga erótica mais explícita, talvez - misturados com canções do novo registo.

Apesar da sua devoção a Deus, não é costume evocá-lo directamente em palco, embora as canções do novo disco tenham sido influenciadas pela sua fé. Isto ao nível das letras. Do ponto de vista sónico é o seu disco, desde há muito, que mais investe na fisicalidade e no dinamismo rítmico.

Há um balanço sensual como em "Sign 'O' the Times", economia minimalista como no álbum "Parade" (1986), rasgos de electro-funk como em "1999" (1983) e os habituais solos de guitarra, pianadas jazzísticas, sintetizadores que parecem fanfarras e o registo em falsete. Não constituiu, evidentemente, uma revolução. Mas é o seu disco mais inspirado de há muito tempo, visível em canções como "Compassion", "Sticky like glue" ou "Everybody loves me".

Hoje em dia diz-se um homem tranquilo, apesar de continuar em luta com a indústria tradicional da música e com a Internet, procurando novas formas de distribuir a sua música. Os jornais são apenas uma delas - para além do "Daily Mirror" inglês, também o "Daily Record" da Irlanda e o "Het Nieuwsblad" belga distribuíram o seu álbum gratuitamente no sábado e a "Rolling Stone" alemã irá fazê-lo a 22 de Julho. Ao contrário da maior parte das estrelas pop, proibiu o YouTube e o iTunes de utilizarem a sua música e nem sequer tem sítio oficial na Internet. Numa entrevista recente afirmava que a Internet está acabada. "Não vejo por que é que hei-de dar a minha música ao iTunes ou a quem quer que seja. Não me pagam um avanço e ainda por cima ficam zangados, quando não conseguem o que querem." Para ele, a Internet é como a MTV. "A MTV era o máximo e de repente ficou datada."

Quase não dá entrevistas, faz os concertos que quer, lança discos quando lhe apetece. Diz-se satisfeito com o que tem. E tem ainda muito. Continua a ter Paisley Park, perto de Minneapolis, um complexo de edifícios e estúdios que é sinónimo de Prince, como Neverland era de Michael Jackson. Mas algo mudou há muitos anos. Tudo terá começado em 1996, quando o filho Gregory faleceu, sete dias depois de ter nascido. Logo de seguida foram os pais, o pianista John L. Nelson e a cantora jazz Mattie Shaw.

A mãe era testemunha de Jeová e o seu desejo final foi que o filho se convertesse. Nesse período crítico - para além das mortes incompatibilizou-se com editoras - aproximou-se de Larry Graham, baixista e fundador dos Sly and the Family Stone, que lhe disse que havia recuperado de uma vida de drogas e violência pelo facto de ser testemunha de Jeová. E a conversão aconteceu.

Deu largas somas de dinheiro para causas em todo o mundo e o homem que era conhecido por coleccionar casos (Kim Basinger, Sheena Easton ou Cármen Electra) tornou-se monogâmico. A sua namorada actual é Bria Valente, cujo álbum de estreia produziu o ano passado. Ela também é testemunha de Jeová. Ele diz que estudam cinco horas por dia. Hoje, quando lhe falam das letras libidinosas e da capa de discos como "Lovesexy" onde surge nu, limita-se a sorrir e diz que "vive agora, não no passado".

Ao longo de 30 anos de carreira, vendeu mais de 100 milhões de álbuns. A década de 80 foi a sua fase mais cintilante, aquela que marcou definitivamente os caminhos da música popular, em álbuns como "Dirty Mind", "Controversy", "1999", "Purple Rain", "Parade" e "Sign 'O' Times". Na alvorada dos anos 80, em pleno período pós-punk, não era fácil gostar dele. Não era só a música, de economia narrativa, capaz de congregar num só miligrama pop, funk, soul, folk ou rock & roll de forma lasciva e apaixonada, era também o visual e a atitude extravagante, num tempo onde o artifício e o excesso não eram paradigmas reinantes.

Era como se conseguisse sintetizar o que vinha de trás - Marvin Gaye, Miles Davis, Chic, Sly & The Family Stone ou Beatles -, ao mesmo tempo que prenunciava quase tudo o que iria marcar a música negra pop, e não só, das próximas décadas - Pharrell Williams, Kenye West, Justin Timberlake, Timbaland, Beck, Jamie Lidell ou OutKast. Durante muitos anos, coincidente com os anos de ouro da MTV, insistiu-se numa rivalidade com Michael Jackson. Mas eram de mundos diferentes. Jackson era o homem que tentava sempre ajustar-se ao centro do mercado. Prince simplesmente não queria saber. Era uma mente livre.

E excêntrica. Famosas ficaram as digressões faraónicas e os seus caprichos. Há sete anos, em Miami, num debate sobre a indústria da música moderado pelo falecido Tony Wilson, da editora Factory, era apontado como o caso típico do músico esbanjador. Na altura, Casey Spooner (dos Fischerspooner) estava em estúdio com músicos de Prince, que lhe contavam histórias do género desta: "Era capaz de dar um concerto em Roma, depois tocar num clube local e, na mesma noite, voar no seu avião particular para o seu estúdio em Minneapolis onde tinha os seus músicos à espera para registar uma ideia que havia tido nessa mesma noite. Depois, no dia seguinte, regressava à Europa para mais um concerto!"

Longe vão os tempos em que cantava, no princípio dos anos 90, "My name is Prince and i am funky", como forma de tentar conquistar público do universo hip-hop, apostando numa linguagem mais afirmativa. Hoje já não tenta ser quem não é. É verdade que já não quer expandir a paleta da sua música, como aconteceu nos anos 80 e primeira metade dos 90, em que cada novo álbum seu era um desassossego de novidade. Hoje limita-se a fazer álbuns à Prince, ou seja, exactamente o mesmo que a maior parte dos agentes da pop moderna tenta fazer.

A próxima vez que uma testemunha de Jeová vos inquirir, já sabem, olhem para os sapatos. Nunca se sabe. Pode ser Prince.

Dia 16

Palco Super Bock
Pet Shop Boys: 00h40-02h10
Keane: 22h40-23h55
Cut Copy: 21h20-22h20
Mayer Hawthorne & The County: 20h10-21h00
Jamie Lidell: 19h00-19h50

Palco EDP
Grizzly Bear: 23h30-00h30
The Temper Trap: 22h00-23h00
Beach House: 20h40-21h40
St. Vincent: 19h35-20h20
Godmen: 18h45-19h15

Palco @Meco
M-Nus Showcase: 22h00-04h00
Richie Hawtin
Marco Carola
Magda

Dia 17

Palco Super Bock
Leftfield: 01h30-02h30
Vampire Weekend: 23h50-01h05
Hot Chip: 22h30-23h30
Julian Casablancas: 21h00-22h10
Tiago Bettencourt & Mantha: 19h40-20h30

Palco EDP
Patrick Watson: 23h10-00h20
Rita Redshoes: 21h40-22h40
Holly Miranda: 20h20-21h20
Sweet Billy Pilgrim: 19h20-20h00
Malcontent: 18h30-19h00

Palco @Meco
Ricardo Villalobos & ZIP: 01h00-04h00
Bloop Showcase: 22h00-01h00
Magazino
Joao Maria
Jose Belo
Henriq & Bart Cruz: 21h00-22h00

Dia 18

Palco Super Bock
Empire of the Sun: 02h00-03h00
Prince: 23h45-01h15
The National: 21h30-22h45
Spoon: 20h20-21h10
Stereophonics: 19h10-20h00
Palma's Gang: 18h00-18h50

Palco EDP
John Butler Trio: 23h05-00h05
Sharon Jones & The Dap Kings: 21h45-22h45
Wild Beasts: 20h25-21h15
The Morning Benders: 19h20-20h05
Stereo Parks: 18h30-19h00

Palco @Meco
Laurent Garnier Live: 02h30-04h00
Rui Vargas & André Cascais: 00h30-02h30
Zé Salvador: 23h00-00h30
Hi-Tech²: 22h00-23h00
Mary B: 21h00-22h00

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