Há crianças a ser encaminhadas para a educação especial que deviam ter outras respostas
Grupo de trabalho diz que são precisas outras respostas para quem tem dificuldades de aprendizagem. Educação especial deve ser só para quem tem necessidades permanentes. Governo vai estudar propostas e afirma que não pretende diminuir investimento no sector.
O grupo ouviu mais de 50 entidades, entre as quais organizações representativas de pessoas com deficiência, pais e professores. O relatório produzido foi entregue à tutela. A apresentação da síntese foi feita nesta quarta-feira à tarde, em Lisboa. E conclui que muitas “crianças que têm dificuldades de aprendizagem” não permanentes “estão a ser encaminhadas para a educação especial”, quando esta devia servir apenas para as crianças com necessidades permanentes.
Admite-se, aliás, que assim se explique pelo menos uma parte do aumento, nos últimos anos, das crianças sinalizadas nas escolas portuguesas como tendo NEE — de 46.950, em 2010/11, para 62.100, em 2012/13.
“Em 2007 foi feito um estudo de prevalência de NEE entre os jovens e chegou-se a um rácio de 1,8%. O que corresponderia a pouco mais de 30 mil alunos. Ou o rácio não está bem feito, ou então temos alunos [mais 30 mil] que estão para além desse rácio”, disse Pedro Cunha, da Direcção-Geral da Educação, coordenador do grupo de trabalho.
O grupo defende um novo conjunto de respostas para os meninos com dificuldades de aprendizagem (como a dislexia, por exmeplo) — como a criação “de equipas multidisciplinares de apoio à aprendizagem” que tenham como missão combater o insucesso escolar. Isto para que essas crianças não venham, por falta de intervenção, a tornar-se alunos com NEE.
Pedro Cunha lembra: em média, 30% das crianças têm ao longo do seu percurso algum tipo de dificuldade de aprendizagem. É preciso criar respostas.
Não haverá cortes
A lei diz que tem NEE quem apresenta “limitações significativas” decorrentes “de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, da aprendizagem, da mobilidade, da autonomia, do relacionamento interpessoal e da participação social”. A lei prevê também que estes alunos estejam em turmas mais pequenas e possam ter acesso a técnicos especializados e a programas de estudo adaptados, por exemplo.
Na sessão de apresentação da síntese do relatório estiveram presentes os secretários de Estado do Ensino Básico e Secundário, João Grancho, do Ensino e da Administração Escolar, João Casanova de Almeida, e da Solidariedade e da Segurança Social, Agostinho Branquinho. Os três começaram por sublinhar nas suas intervenções que os dados recolhidos pelo grupo de trabalho mostram que não houve desinvestimento no sector, “ao contrário do que por vezes se diz”, mas antes “houve investimento”, segundo João Grancho.
Um dos exemplos dados foi o aumento dos beneficiários de subsídio de educação especial (13.959, em 2013, contra 11.619, em 2011). Este subsídio serve para ajudar os pais a pagar apoios especializados que as escolas não garantem.
Ficou prometido que “não se pretende diminuir o investimento”. O que acontece, contudo, notou Grancho, é que “o conceito de necessidades educativas especiais passou a ser uma grande categoria” e é preciso clarificá-la.
Não há calendário para a entrada em vigor das novas regras ou para a apresentação das alterações legislativas, que deverão passar pela harmonização de vários diplomas existentes, afirmou o governante.
“Redistribuir competências”
A primeira recomendação do grupo, que tinha elementos da Segurança Social e da Educação, e, como missão, “desenvolver um estudo com vista à revisão do quadro normativo regulador da educação especial”, é, então, “manter o âmbito da intervenção dos serviços de educação especial” tal como previsto na lei, “direccionando os apoios especializados para as crianças com alterações de carácter permanente nas estruturas e funções do corpo”, criando respostas “para os alunos com dificuldades na aprendizagem”.
Mas há outras. Sugere-se a definição de orientações específicas sobre os “programa educativos individuais” desenhados para os alunos com NEE. Porque “tem de ficar claro que todos os alunos podem aprender” e que “tem de se aproveitar o potencial de cada um”.
Pedro Cunha defendeu ainda a criação de “uma nova figura” de certificação do percurso dos alunos com NEE. Actualmente, estes ou fazem os exames como todos os colegas do ensino regular, e, no final, têm um diploma igual; ou “têm um mero certificado que não diz nada sobre o seu percurso” o que coloca problemas no pós-secundário.
O grupo de trabalho sugere que seja criado um modelo intermédio que permita, a quem consegue fazer uma parte do currículo nacional, ter “uma certificação parcial onde fiquem expressos os conhecimentos e capacidades adquiridas”.
Outro ponto muito sublinhado é a necessidade de “redistribuir competências” entre os ministérios da Educação, Saúde e Segurança Social. Ao Serviço Nacional de Saúde, diz Pedro Cunha, deve caber avaliar que necessidades têm as crianças sinalizadas e prestar os apoios de natureza terapêutica; os apoios sociais cabem à Segurança Social e “os apoios habilitativos/educativos” às escolas. Considera-se ainda que “os apoios de natureza terapêutica/reabilitativa deverão ocorrer noutros contextos mais apropriados”, que não as escolas.
Sobre o que deverá mudar no subsídio de educação especial, para além de uma maior intervenção do Serviço Nacional de Saúde, nem Pedro Cunha nem os secretários de Estado quiseram adiantar pormenores. Recorde-se que têm sido várias, nos últimos meses, as manifestações de pais contra os critérios de atribuição actualmente em vigor.
Actualizar a formação inicial e contínua dos professores é outra das preocupações — manifestada, também, no parecer conhecido na semana passado, do Conselho Nacional de Educação, onde se considerava ainda que a actual legislação sobre educação especial deixava desamparado “um conjunto considerável de alunos e alunas”.