BCE lança pacote alargado de estímulos contra a inflação baixa

À descida dos juros, o banco central junta medidas para garantir mais liquidez no mercado e financiamento de longo prazo aos bancos.

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Vítor Constâncio e Mario Draghi na conferência de imprensa desta quinta-feira, em Frankfurt Ralph Orlowski/Reuters

Além de descer a taxa de juro de referência para um novo mínimo histórico e de colocar a taxa de depósito dos bancos num valor negativo, o banco central liderado por Mario Draghi apostou – como já se esperava para a reunião do conselho de governadores desta quinta-feira – em avançar com algumas medidas “não convencionais”: um novo programa de cedência de crédito de longo prazo aos bancos da zona euro (uma medida de estímulo a que a instituição já recorreu durante a crise) e o fim da esterilização de títulos de dívida adquiridos em 2011 e 2012. E deixou ainda a promessa de dar gás a um programa de compra de dívida titularizada no sector privado (subjacente aos empréstimos às famílias e às empresas).

De fora ficou a aplicação de um programa de compra de Obrigações do Tesouro no mercado, mas Draghi voltou a deixar a porta aberta a tomar novas medidas.

Com o objectivo de fazer chegar o crédito à economia num período de retoma lenta e baixa inflação na zona euro, o BCE vai realizar empréstimos aos bancos com prazos que chegam aos quatro anos (com maturidades até Setembro de 2018). O financiamento das instituições financeiras é feito, em condições normais, através de cedência de liquidez com prazos mais curtos.

A decisão foi tomada na reunião do conselho de governadores da instituição desta quinta-feira, em Frankfurt, no dia em que o BCE baixou as suas taxas de juro de referência e deu ainda luz verde a outras medidas de carácter extraordinário.

A recuperação do programa de operação de refinanciamento de longo prazo, conhecido na sigla inglesa como LTRO, é justificada pelo presidente do BCE, Mario Draghi, com a necessidade de fazer chegar o crédito “à economia real”, numa altura em que a zona euro enfrenta um período de retoma lenta e de baixa inflação.

Esta era uma das medidas que os mercados previam poder ser adoptada pelo BCE como estratégia não convencional, o que veio a confirmar-se. O banco central já lançara, em 2011, um programa destinado a diminuir os problemas de liquidez dos bancos, quando o mercado interbancário chegou a estar praticamente fechado em alguns países, como Portugal.

O BCE vai realizar este ano duas operações LTRO: uma em Setembro e outra em Dezembro. A medida “inscreve-se num contexto caracterizado por uma inflação baixa” e uma recuperação lenta, afirmou Mario Draghi durante a conferência de imprensa que se seguiu à reunião dos governadores.

Para controlar as pressões deflacionistas e conter novos riscos de descida dos preços, o banco central decidiu baixar a sua taxa de juro de referência, de 0,25% para 0,15%, e colocar em terreno negativo a taxa de depósito, passando-a de zero para -0,1%.

Esta decisão já estava a ser amplamente antecipada pelos mercados, já que Mario Draghi há vários meses admitia responder ao período de baixa inflação combinando medidas tradicionais de política monetária (a decida dos juros) com medidas extraordinárias. A expectativa do BCE é que as taxas se mantenham a este nível historicamente baixo por um longo período de tempo, não estando no horizonte do banco central voltar a decidir-se por um novo corte. “Tecnicamente, considero que chegámos hoje ao limite [até ao qual se devem descer as taxas]”, afirmou.

O BCE anunciou ainda que vai deixar de esterilizar as compras de obrigações. Ao fazê-lo, o banco central procura na prática aumentar a liquidez do mercado. Durante a crise, o BCE adquiriu obrigações de países em dificuldade no mercado secundário de dívida e fazia ao mesmo tempo a “esterilização” desses títulos para travar uma verdadeira injecção de dinheiro. É esta operação que o banco agora deixa de fazer para os títulos de dívida que ainda tem em carteira. 

Draghi admitiu que as preocupações do BCE “são reais”, mostrou-se convicto de que, com as medidas agora anunciadas, “o crescimento virá” e que “a retoma será efectiva”. “Reagimos ao risco que constituiria um período longo de inflação baixa”, afirmou, dizendo que o BCE não vê riscos de uma entrada em deflação.

A inflação, que tem vindo a cair nos últimos meses e a afastar-se do objectivo de médio prazo do BCE (próximo de 2%), voltou a descer em Maio, recuando para 0,5%. E a previsão do banco central é agora menos optimista quanto à progressiva subida dos preços nos próximos anos. Em vez de uma taxa de inflação de 0,8% este ano, o banco central reviu a projecção para 0,7%. E em 2016 prevê que esteja em 1,4%, num valor mais baixo do que previa há alguns meses.

O efeito-Draghi nas bolsas
A reacção dos mercados, que aguardavam com expectativa a reunião desta quinta-feira, não se fez esperar, com o impacto a sentir-se no movimento na valorização das bolsas europeias, na trajectória do euro e no mercado de dívida pública.

Depois de um movimento contido durante a manhã, as principais praças do Velho Continente aceleraram os ganhos assim que o BCE confirmou a descida das taxas de juro. Mas a valorização generalizada das acções, sobretudo no sector financeiro, acabou por perder o fôlego nas últimas horas de negociação.

A praça portuguesa acompanhou a trajectória das praças de referência italiana, espanhola e francesa, que registaram subidas acima de 1%.

A praça de Milão avançou 1,52%, Madrid valorizou 1,12%, Paris progrediu 1,06% e Lisboa encerrou com uma subida de 1,02%. Em alta, mas com um desempenho mais modesto, fecharam as bolsas de Amesterdão (0,71%), Bruxelas (0,3%) e Frankfurt (+0.21%).

A cotação do euro face ao dólar, que depois de ser conhecida a decisão do BCE chegou a estar em valores mínimos de quatro meses, começou entretanto a subir (para 1,36 dólares, uma valorização de 0,25% pouco antes das 18h).

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