O que revelam as primeiras decisões sobre o fair-play financeiro da UEFA
O CLFCB é responsável pela verificação do cumprimento RFPF por parte dos clubes participantes na Liga dos Campeões e Liga Europa, e também pela aplicação de sanções disciplinares relacionadas com eventuais incumprimentos a estas regras.
As conclusões ora divulgadas afectam nove clubes de entre os 237 participantes nas competições europeias na época 2013/2014 que foram submetidos a controlo, sendo os casos mais mediáticos os do Manchester City (MC) e do Paris Saint-Germain (PSG).
Pretende-se nestas breves notas proceder a uma análise dos elementos disponíveis relativos a estes processos, realçando alguns aspectos que nos parecem poder ajudar a tentar perceber os critérios que foram utilizados pelo CLFCB.
2. Refira-se desde logo que a forma adotada para concluir a investigação foi, em todos os casos, a dos acordos de compromisso com os acusados. Poderia o CLFCB ter aplicado medidas disciplinares de forma unilateral, mas preferiu, ao que se sabe após longas negociações, obter o acordo dos clubes sancionados.
Da leitura dos comunicados emitidos pelo MC e PSG depreende-se que, de facto, não terá existido verdadeira negociação, uma vez que revelam mais conformação do que acordo.
É significativa a este propósito a explicação dada pelo MC para não ter prosseguido a via contenciosa face ao desacordo quando à natureza das sanções “acordadas”, ao referir que apenas as acatou tendo em conta a “realidade prática” para os adeptos e parceiros e o “interesse das operações comerciais” do clube.
3. A nosso ver a estratégia da UEFA visa claramente prevenir situações imediatas de litígio que tenham por objecto as RFPF, numa altura em que estão pendentes denúncias junto da Comissão Europeia e processo em Tribunal belga alegando a sua incompatibilidade com as regras europeias de defesa da concorrência.
Ficou evidente que os clubes afectados não quiseram arriscar contrariar a UEFA, que provavelmente terá ameaçado prosseguir para uma decisão de exclusão de participação nas provas europeias em caso de falta de acordo.
Tendo em conta os timings da Comissão Europeia e da justiça belga, poderá a UEFA assim ter garantido um período de vigência das RFPF suficiente para que produzam os seus objectivos de disciplina financeira.
O único risco de vir a ser obrigada a corrigir as RFPF no curto prazo seria em resultado de decisão do Tribunal Arbitral do Desporto de Lausana, na sequência de recurso de entidade terceira que se sinta directamente afectada por estas decisões.
Nada leva a crer, no entanto, que outros clubes, tal como sucedeu com os destinatários das decisões, optem por contrariar os seus desígnios.
4. As decisões de 16 de Maio impõem, em cada caso, um conjunto combinado de medidas que inclui:
- Objectivos de equilíbrio financeiro aos prevaricadores mais exigentes dos que resultariam da regular aplicação das RFPF;
- Restrições à inscrição de jogadores e aos custos com pessoal;
- “Contribuições”, que atingem os 60 milhões de euros nos casos do PSG e MC, a reter dos valores devidos pela participação nas provas da UEFA e que serão parcialmente devolvidas caso os clubes cumpram os acordos;
5. Algumas notas quanto ao que resulta da escassa informação disponível - os sumários dos acordos de compromisso e os comunicados do MC e PSG – e que julgamos poderão ser úteis para orientação futura dos clubes sujeitos à RFPF:
- A UEFA não aceita, para efeitos de cálculo dos custos relevantes para a regra de break even, a exclusão de custos incorridos após Janeiro de 2011 com jogadores contratados antes de 1 de Junho de 2010 (data de entrada em vigor dos Regulamentos);
- Não aceita igualmente como receitas relevantes as resultantes de vendas de activos entre empresas do mesmo grupo;
- Relativamente aos contratos de patrocínio, a UEFA analisa-os caso a caso, não os desconsiderando para efeitos de aferição do cumprimento da regra de break even, embora possa reduzir substancialmente o valor relevante para efeitos de cálculo;
- A fazer fé no comunicado do MC, a UEFA estará receptiva a tratar de forma diferente salários e prémios de desempenho para efeitos de qualificação de despesas relevantes. Esta informação é surpreendente e terá que ser esclarecida, uma vez que não consta de qualquer comunicação da própria UEFA. A confirmar-se, estaria aparentemente aberta uma forma de contornar, com alguma facilidade, as restrições com custos de jogadores.
6. Mais não nos parece ser possível adiantar por agora quanto aos misteriosos desígnios da entidade suprema do futebol europeu nesta matéria.