OIT alerta para crescente risco de pobreza entre as crianças

Em Portugal, os menores são o grupo etário mais afectado pela crise. Na União Europeia, austeridade levou 800 mil crianças à pobreza. Padre Jardim Moreira assegura que a pobreza vai para além do material.

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Em Portugal, uma em cada quatro crianças corre risco de pobreza Paulo Pimenta

A taxa de risco de pobreza para menores de 18 anos foi de 24,4%, em 2012. A conclusão é do Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, realizado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Esta taxa tem vindo a crescer e faz das crianças e dos jovens portugueses o grupo com maior risco de pobreza.
 
Investigador do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE, Renato Carmo relaciona a pobreza infantil com a pobreza familiar e destaca os três perfis familiares com taxas de risco de pobreza mais elevados: famílias monoparentais (com uma taxa de risco de pobreza de 33,6%), famílias numerosas (40,4%) e famílias com pais no desemprego.

Os dados do INE referem que a taxa de risco de pobreza das famílias com crianças dependentes foi de 22,2%, em 2012, o que representa um aumento da “desvantagem relativa face ao valor para o total da população residente”, que foi de 18,7%.
 
Para Eugénio Fonseca, presidente da Cáritas Portuguesa, estes valores não são uma novidade: “Temos vindo a afirmar o crescimento e agravamento da pobreza junto das crianças portuguesas”, relembra.
 

O padre Jardim Moreira também não se deixa surpreender com os dados estatísticos. Diariamente, convive com casos de pobreza infantil no Centro Social e Paroquial de Nossa Senhora da Vitória, no Porto, que acolhe cerca de 140 crianças, a maioria sem família ou com famílias instáveis e com problemas económicos. Jardim Moreira afirma que “estas crianças têm a pobreza como herança, nascem e vivem sem grandes horizontes” e explica que muitas destas subsistem apenas com o que comem nas escolas e cantinas.

Perante este panorama, a Cáritas criou o programa “Prioridade às Crianças”. Eugénio Fonseca explica ao PÚBLICO: “Constatamos que as crianças que só fazem uma refeição ficam mais vulneráveis a doenças e mais condicionadas em termos cognitivos, o que se vai reflectir no seu rendimento escolar”.
 
O investigador Renato Carmo realça as consequências da pobreza a médio e a longo prazo: “O insucesso escolar conduz ao abandono escolar, que, por sua vez, dificulta o acesso ao mercado de trabalho.” Segundo estatísticas da Pordata, em 2012, o abandono escolar entre os 18 e os 24 anos ainda era de 19,2%.
O padre Jardim Moreira assegura que a pobreza vai para além do material: “Vive-se também uma pobreza de afectos, cultural e espiritual.”

“Em Portugal, a pobreza costumava estar associada à população idosa, mas um conjunto de políticas públicas muito positivas reduziu a pobreza entre os mais velhos”, explica Renato Carmo. A situação inverteu-se e agora são os mais novos que estão mais susceptíveis a situações de pobreza e exclusão social. “Se houve políticas para os mais velhos que foram bem-sucedidas, agora essas políticas devem ser pensadas para os mais jovens”, defende.

Jardim Moreira afirma que as medidas de austeridade têm levado a cortes nos apoios à população infantil, nomeadamente nos abonos de família, e “a protecção do Governo fica-se pelas cantinas, o que é redutor”. O padre considera uma injustiça “continuar a dar por esmola aquilo que as crianças deviam ter acesso por direito”.
Renato Carmo defende o investimento em novas formas de protecção social para crianças e jovens — “devia ser preparado um plano integrado, de vários organismos e ministérios, com componentes monetárias, educativas, de saúde.”
 
Por sua vez, Eugénio Fonseca defende que “o Estado, juntamente com instituições de caridade e de apoio social, devia dar prioridade à alimentação de crianças” e propõe uma rede de segurança alimentar acessível às famílias. “O apoio podia passar pela entrega de alimentos ou pela entrega de subsídios pecuniários que representasse o custo real de alimentação de uma criança”, esclarece.

Intervenção da política
O presidente da Cáritas Portuguesa reclama uma maior intervenção política: “Acima do pagamento da dívida soberana, estão as pessoas, nomeadamente as mais frágeis, como as crianças.”
 
O impacto das políticas de austeridade nas crianças faz-se notar também noutros países da União Europeia (UE). De acordo com o Relatório sobre Protecção Social no Mundo 2014/2015, publicado na terça-feira pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre 2007 e 2012, a pobreza infantil aumentou em 19 dos 28 países da UE.
 
No documento, pode ler-se que “as medidas de consolidação e ajustamento fiscal nos países de rendimentos mais elevados ameaçam o progresso na segurança de renda das crianças e suas famílias”. Essas medidas foram tomadas na sequência da crise financeira e económica de 2008. Em média, os governos da Europa Ocidental atribuem 2,2% do PIB a benefícios para crianças e famílias.
 
Em 2012, havia cerca de mais 800 mil crianças na pobreza do que em 2008. Segundo o relatório, o aumento da pobreza e da desigualdade resultou não apenas da recessão global, “mas também de decisões políticas específicas de redução das transferências sociais e de limitação do acesso a serviços públicos de qualidade”, que se juntam “ao desemprego persistente, salários baixos e impostos mais altos”.
 
A nível mundial, morrem diariamente cerca de 18 mil crianças devido a causas passíveis de prevenção através de uma protecção social adequada.

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