Furacões com nomes de mulher são menos temidos

Estudo sobre a percepção do risco de furacões analisou mais de 60 anos de dados e concluiu que aqueles que têm nomes femininos são considerados menos perigosos. E por isso as populações não tomam tantas precauções.

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Imagem de satélite do furacão Katrina tirada a 28 de Agosto de 2005 NOAA/REUTERS

Que as mulheres têm uma imagem menos violenta do que os homens, já sabíamos. Mas até que ponto estas percepções estão relacionadas com os furacões? Foi o que tentou perceber uma equipa de investigadores norte-americanos.

“Será que as pessoas avaliam os riscos dos furacões tendo em conta expectativas baseadas no género? Usámos mais de seis décadas dados de mortalidade de furacões dos EUA para mostrar que os furacões com nomes femininos causam significativamente mais mortes do que os furacões com nomes masculinos”, lê-se no artigo científico da equipa, divulgado esta segunda-feira na revista norte-americana Proceedings of the National Academy of Sciences.

Em 1953, o Centro Nacional de Furacões dos Estados Unidos deu o primeiro nome de uma pessoa a estas tempestades, para ser mais fácil comunicar com o público, estreando-se com Alice. Durante anos, os furacões, tempestades tropicais que se formam no Atlântico, apenas tinham nomes de mulheres. No Pacífico, estas tempestades tropicais (que aí se chamam tufões) também receberam nomes de pessoas, que no início eram igualmente de mulheres.

Mas os furacões do Atlântico tiveram o seu primeiro nome de homem em 1979 – Bob. O mesmo aconteceu nessa década para os tufões no Pacífico.

Desde então, para evitar discriminações sexuais, a designação deste fenómeno natural é escolhida, de forma alternada, a partir de uma listagem de nomes masculinos e femininos, e cada um desses furacões pode revelar-se bastante violento independentemente da sua denominação.

Ora o estudo demonstra que furacões com nomes femininos causam mais mortes – cerca de cinco vezes mais, segundo a agência de notícias Reuters – do que furacões com nomes masculinos, uma vez que, aparentemente, os primeiros são considerados menos ameaçadores.

“O problema é que o nome de um furacão não tem nada a ver com a sua gravidade”, diz Kiju Jung, um dos principais autores do estudo e estudante de doutoramento na área do marketing da Universidade de Illinois, citado num comunicado de imprensa. “Os nomes são atribuídos de forma arbitrária, a partir de uma lista pré-determinada, alternada com nomes do género masculino e do género feminino. Se as pessoas que estão no trajecto de uma tempestade grave avaliam o risco com base no nome da tempestade, então isto é potencialmente muito perigoso”, acrescenta Kiju Jung.

Alexander versus Alexandra
Os investigadores analisaram o número de mortes provocado por cerca de 94 furacões, que atingiram os Estados Unidos entre 1950 e 2012, excluindo mais tarde dois por terem sido extremamente mortíferos: o Katrina (2005) e o Audrey (1957), que provocaram respectivamente 1833 e 416 mortes. Depois, fizeram seis experiências com diversos participantes.
Primeiramente, mostrou-se a nove pessoas os 94 nomes e, sem que soubessem que eram nomes de furacões, foi-lhes pedido para avaliarem se estes eram mais femininos ou mais masculinos, explica ao PÚBLICO Sharon Shavitt, também autora do estudo e especialista de marketing na Universidade de Illinois. Comparando os dados obtidos com a base de dados existente sobre o número de mortos dos furacões em análise, os cientistas chegaram então à conclusão que, em relação aos mais violentos, aqueles com nomes femininos registaram de facto mais mortes.

De seguida, uma das experiências avaliou como o “género” do furacão influenciaria as medidas de protecção e os comportamentos adoptados pelas pessoas. Ora segundo 142 inquiridos, um furacão com o nome Cristopher exigiria maiores cuidados, como por exemplo a evacuação imediata da zona, do que um chamado Christina. Por exemplo, também no que diz respeito ao risco e à intensidade dos furacões, com base nas respostas de 108 indivíduos envolvidos nesta outra experiência, um furacão com o nome Alexander foi considerado mais perigoso do que um chamado Alexandra.

 Assim, foi possível concluir que a percepção que as pessoas têm do risco deste fenómeno natural pode ser bastante subjectiva. “Estes resultados sublinham a importância de compreender como é que a avaliação do risco de ameaças ambientais é muitas vezes influenciada não apenas por estímulos ambientais e sociais, mas também por factores psicológicos irrelevantes”, diz a equipa no artigo científico.

“Ao avaliarem a intensidade de uma tempestade, as pessoas parecem aplicar as suas crenças sobre como os homens e as mulheres de comportam. Isto faz parecer um furacão com um nome feminino, especialmente nomes tão femininos como Belle e Cindy, delicado e muito menos violento”, refere por sua vez Sharon Shavitt, no comunicado.

“Espera-se muitas vezes que os homens sejam fortes, competentes e agressivos, enquanto as mulheres são vistas como fracas, calorosas e passivas”, diz o artigo. “Por exemplo, estima-se que um furacão com um nome relativamente masculino cause 15,5 mortes, enquanto um furacão com um nome relativamente feminino causará 41,84 mortes”, lê-se ainda. “Estes resultados sugerem que os indivíduos avaliam a sua vulnerabilidade a furacões e agem com base não apenas em indicadores objectivos relacionados com a gravidade do furacão, mas também tendo em conta o género dos furacões.”    

Devido às alterações climáticas, os furacões, alerta a equipa, estão a tornar-se mais frequentes e graves. E este estudo é o primeiro, sublinham ainda os cientistas, a demonstrar como os estereótipos podem influenciar o comportamento das pessoas, mesmo em relação a desastres naturais.

“Demonstrámos que um desastre natural, apenas por ser associado simbolicamente a um determinado género pelo nome que se lhe atribuiu, pode ser julgado de acordo com os papéis e as expectativas sociais correspondentes a esse género”, conclui o artigo.

“Este é um resultado extremamente importante”, comenta a especialista em ciências do comportamento Hazel Rose Markus, da Universidade de Stanford, na Califórnia (EUA), que não esteve envolvida no estudo. “Prova que as associações que fazemos baseadas na nossa cultura orientam as nossas acções.”

Será que agora os furacões, considerando os resultados deste estudo, vão passar a ter nomes só masculinos? O que, vistas as coisas, não trará também outras formas de discriminação?

Texto editado por Teresa Firmino

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