O rei que deixou fugir o momento

O rei fez um discurso de abdicação vazio, sem conteúdo. Veio tarde de mais. Juan Carlos deixou fugir o momento certo de dizer adeus.

Além disso, Juan Carlos está debilitado política e fisicamente (foi operado oito vezes em três anos). Caminha há meses num campo de minas prontas a explodir. A caçada no Botswana, a filha Cristina que foi ouvida por um juiz, o genro acusado de corrupção, os mais de 60% de espanhóis que pediam a sua abdicação, a contestação crescente à própria monarquia.

Pena foi que num dia tão excepcional Juan Carlos tenha feito um discurso tão imemorável. Sem emoção, sem cumplicidade, sem uma frase que fique, sem uma ideia que perdure. Talvez, como aconteceu com a rainha Beatriz da Holanda, que abdicou no ano passado, Juan Carlos guarde para o último dia do seu reinado um discurso com densidade. Talvez aí escolha as palavras certas e faça um discurso com conteúdo. Ontem, Juan Carlos limitou-se a dizer que a Espanha é uma democracia integrada na Europa, que é tempo de dar o lugar aos jovens com “mais energia” para responder aos desafios do futuro e descreveu o filho com palavras previsíveis e institucionais: “estabilidade”, “maturidade”, “preparação”, “responsabilidade”. Dizer menos do que isto seria não dizer nada sobre o futuro rei de Espanha. Juan Carlos não falou sobre o que dá “substância à monarquia de hoje”, para citar o discurso de abdicação de Beatriz. Não falou dos espanhóis, nem dos desafios da Espanha e da Europa, nem de como Sofia o ajudou a ser rei.

O vazio não foi certamente casual. O rei decidiu abdicar em Janeiro. Teve cinco meses para ensaiar e reescrever o discurso que, de todos os que fez, será lido por curiosos e historiadores durante séculos. Não fez um discurso diferente porque não pôde. Juan Carlos já não tem margem – nem força – para isso. Sai, mas sai tarde de mais. Deixou fugir o momento certo de dizer adeus.
 

Corrigido às 16h de dia 4: acrescentou-se a palavra "constitucional".

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