Chumbo do TC não fecha a porta a reformulação de cortes na função pública
Foi o agravamento das reduções dos salários que levou à declaração de inconstitucionalidade dos juízes, o que poderá levar o Governo a rever a medida para regressar a cortes do passado.
A declaração de inconstitucionalidade dos cortes salariais, votada favoravelmente por dez juízes conselheiros (dois parcialmente), tem a ver com o facto de a medida ter sido agravada face a 2013. Este ano, além de as reduções serem aplicadas a remunerações a partir dos 675 euros brutos mensais (quando a fasquia começava nos 1500 no ano passado), em vez de a taxa ir de 3,5% a 10%, passou a variar entre 2,5 e 12%. Só com esta alteração, o Governo estimava arrecadar cerca de 470 milhões de euros líquidos, descontando os impactos das contribuições sociais e dos impostos.
Foi precisamente esta diferença face ao regime de 2013 que o TC entendeu que violava o princípio da igualdade. “Não pode deixar de considerar-se excessiva [a alteração que veio agravar os cortes] e, por isso, constitucionalmente ilícita perante o princípio da igualdade na repartição dos encargos públicos, sendo esse excesso particularmente evidente nos trabalhadores do sector público com remunerações mensais base de valor compreendido entre 675 e 1500 euros”, explicou o TC numa nota sobre a decisão.
No ano passado, os juízes do Palácio Ratton chumbaram a suspensão dos subsídios de férias para a função pública exactamente porque abrangia um escalão remuneratório mais baixo (começava nos 600 euros). “Foi esse critério que agora conduziu” a esta declaração de inconstitucionalidade, visto que a medida em 2014 também incide num escalão baixo, explicou, no final da leitura do acórdão, o presidente do TC.
Joaquim Sousa Ribeiro justificou que os juízes consideraram que “esta diferença [face ao regime de 2013] ia para além do limite de sacrifício admissível”. Mas não fechou a porta à reformulação da medida, deixando uma janela aberta à reposição de cortes iguais aos do ano passado. O juiz-conselheiro disse ser “legítima a opção de diferenciação” entre os trabalhadores do Estado e os do sector privado, em termos do esforço pedido em prol da consolidação orçamental.
Foi com “tranquilidade”, nas palavras do ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, que o Governo reagiu ao chumbo do TC. Se decidir reformular as reduções remuneratórias, terá de o fazer através de um Orçamento Rectificativo (seria o segundo este ano). Um processo que levará o seu tempo, até porque implica a aprovação na Assembleia da República.
Para já, a decisão do TC é imediata. A inconstitucionalidade foi declarada por força obrigatória geral, mas sem efeitos retroactivos porque o tribunal decidiu “restringir os efeitos da declaração”, o que significa que o corte é aplicado de Janeiro a Maio, mas não continuará daqui para a frente. A decisão foi justificada com a necessidade de equilíbrio das contas públicas. “A execução orçamental já vai a meio”, afirmou Sousa Ribeiro.
O alargamento dos cortes face aos de 2013 equivale a cerca de 470 milhões de euros líquidos. Mas, tendo em conta que a reposição não tem efeitos retroactivos, o impacto orçamental deverá rondar os 300 milhões de euros, relativo a nove meses de salários (de Junho a Dezembro, mais os subsídios de férias e Natal). Caso o Governo avance para uma reformulação dos cortes, retomando o regime de 2013, vai conseguir assegurar uma poupança significativa, que rondará os 500 milhões.
Mas mesmo que o executivo de Passos Coelho tome essa decisão, é possível que os salários dos trabalhadores do Estado relativos a Junho sejam pagos na íntegra, a valores próximos de 2010, uma vez que a medida entrou em vigor no ano seguinte. Porém, serão necessariamente mais baixos do que naquele ano, visto que desde então aumentaram os descontos para a ADSE, para a Caixa Geral de Aposentações e foi agravada a carga fiscal. Resta saber se todas as entidades públicas abrangidas terão condições técnicas para que a reposição seja feita já no próximo mês.
Só uma medida escapou ao chumbo
Relativamente aos cortes nas pensões de sobrevivência, que terão de ser repostos a Janeiro e tinham um impacto orçamental de cerca de 100 milhões de euros, o presidente do TC justificou o chumbo com a desigualdade de tratamento entre estes pensionistas. “As pessoas que dependem mais da pensão de sobrevivência são mais afectadas.” Na decisão pesou o facto de a medida reduzir as prestações de quem tem “uma outra pensão de aposentação ou reforma, enquanto deixa incólumes outros titulares de pensões de sobrevivência que aufiram a esse título um montante igual ou superior a 2000 euros, independentemente de poderem ainda manter uma actividade profissional remunerada, o que igualmente viola o princípio da igualdade”, explicou.
À semelhança do que aconteceu em 2013, foi considerada inconstitucional, por violar o “princípio da proporcionalidade”, a taxa de 6% sobre os subsídios de desemprego superiores a 419,22 euros e a taxa de 5% sobre os subsídios de doença que garantem uma prestação superior a 125,77 euros.
A única medida que o TC não declarou inconstitucional foi a suspensão dos complementos de reforma nas empresas públicas que apresentem prejuízos. As poupanças associadas à eliminação deste benefício, que era pago na Metro de Lisboa e na Carris, estão estimadas em 25 milhões de euros por ano. O Governo ainda se debate, no entanto, com dezenas de acções nos tribunais para travar esta suspensão.
A decisão do TC é especialmente importante, pelo facto de ainda não estar fechada a 12.ª e última avaliação ao programa de ajustamento, sendo certo que o Governo sempre garantiu que eventuais chumbos seriam sempre compensados com medidas alternativas para garantir o cumprimento do défice.
Para responder ao chumbo dos juízes, o Governo poderá seguir outros caminhos que não o da reformulação dos cortes salariais. Afastado não está um agravamento dos impostos, como o primeiro-ministro já tinha referido num debate na Assembleia da República, a 9 de Maio, e que nesta sexta-feira voltou a admitir. “Não me posso comprometer com um não aumento de impostos, porque não sei se ele pode vir a ser necessário”, insistiu. Na última semana, membros do Governo garantiram, porém, que não estava em cima da mesa um agravamento do IVA. Isto antes de ser conhecido o chumbo do TC.
Outro cenário poderá ser a antecipação dos cortes na despesa pública projectados para o próximo ano, bem como o recurso à almofada de 911 milhões de euros, que a Unidade Técnica de Apoio Orçamental revelou estar incluída, a título de dotação provisional e de reserva, no Orçamento do Estado para este ano. com Sofia Rodrigues e Sérgio Aníbal