Exército da Ucrânia prepara ataque contra separatistas no centro de Donetsk
Separatistas prometem continuar a lutar, enquanto o novo Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, diz que vai pôr fim à "situação de guerra" no Leste do país.
Num sinal de que o assalto poderá acontecer a qualquer momento, os combatentes anti-Kiev reforçaram as barreiras de defesa e os seus principais líderes surgiram em público no parlamento da autoproclamada "República Popular de Donetsk", para mostrarem que vão continuar a lutar. Nesta quarta-feira, voltaram a ser ouvidos disparos nas proximidades do aeroporto, mas também perto do centro, avança a agência AFP.
Os separatistas cerraram fileiras no centro da cidade na noite de terça-feira, depois dos violentos confrontos no Aeroporto Serguei Prokofiev, que fizeram várias dezenas de mortos – mais de 50, segundo o Governo de Kiev; até 100, de acordo com os rebeldes. A esmagadora maioria das vítimas mortais – e sobre isso há consenso – são combatentes separatistas.
Andrei Donstkoi, membro da tropa de assalto separatista conhecida como Exército Ortodoxo Russo, disse à jornalista da NBC Albina Kovaliova, numa conversa telefónica, que os combatentes estão agora à espera do ataque do Exército da Ucrânia no interior do edifício dos serviços secretos ucranianos, tomado pelas milícias pró-russas no início de Abril. São cerca de uma centena de homens armados, entre eles atiradores especiais (snipers), e prontos para resistirem a um ataque, disse Andrei Donstkoi.
A força e a violência da ofensiva ucraniana de segunda-feira e terça-feira – desencadeada após a vitória clara de Petro Poroshenko nas eleições presidenciais – levou os separatistas a recorrerem a outras armas para tentarem reforçar as suas fileiras. Num vídeo partilhado no YouTube, Andrei Donstkoi surge numa sala, rodeado por outros 17 elementos do Exército Ortodoxo Russo, a cantar um rap de sua autoria. O título da canção pode ser traduzido como Ninguém para além de nós, e o apelo ao voluntariado dos jovens do Leste é claro: "Anda, irmão, levanta-te (…) Não vamos desistir. Por cada combatente, haverá uma batalha até à glória final."
Manifestação pró-russa em Donetsk
Este vídeo pode ser também um sinal de que a ofensiva que o Exército ucraniano levou a cabo na segunda-feira está cada vez mais perto de vergar o separatismo organizado no Leste do país, como prometeu o novo Presidente.
Mas a resistência às autoridades de Kiev não se resume aos combatentes; nas ruas, milhares de habitantes da região declaram o seu apoio a Moscovo – ou, pelo menos, à separação do território ucraniano.
Ainda nesta quarta-feira, cerca de 1000 mineiros manifestaram-se no centro de Donetsk contra a presença das tropas ucranianas, gritando palavras de ordem de apoio aos pró-russos e agitando uma tarja com a frase "Vamos reavivar o poder do Donbass" (a região do Leste que inclui as províncias de Donetsk e Lugansk, o principal foco do separatismo pró-russo na Ucrânia).
A todos eles, o líder separatista Denis Pushilin garantiu que a luta vai continuar: "Kiev já não nos governa. Nunca mais voltaremos a aceitar isso."
Os mineiros, na sua maioria trabalhadores da empresa estatal Abakumova (e não das empresas do homem mais rico da Ucrânia, Rinat Akhmetov), e membros do maior sindicato ucraniano, foram levados para o centro de Donetsk em autocarros, de acordo com o relato da agência Reuters.
Novo Presidente fala em "estado de guerra"
O novo Presidente ucraniano, saído de uma eleição que lhe conferiu uma autoridade acrescida devido à expressão da vitória (54,69%), voltou nesta quarta-feira a prometer pôr fim ao movimento separatista, mas referiu-se pela primeira vez à situação no Leste como uma "guerra”.
“Estamos numa situação de guerra no Leste da Ucrânia, a Crimeia está ocupada pela Rússia, e há uma grande instabilidade. Temos de reagir", disse Poroshenko numa entrevista ao jornal alemão Bild, ao lado do seu apoiante e novo presidente da Câmara de Kiev, Vitali Klitschko.
As declarações de Poroshenko provam que Kiev estava apenas à espera das eleições presidenciais para dar início a uma ofensiva em larga escala no Leste: "Estou em contacto permanente com o Governo e posso afirmar que a operação antiterrorista começou verdadeiramente."
A questão agora é perceber até que ponto estará o Presidente da Rússia, Vladimir Putin, disposto a tolerar uma ofensiva com um elevado número de mortos entre a população do Leste da Ucrânia – muitos analistas consideram que Moscovo já obteve o que pretendia neste conflito, e que a última coisa que Putin quer é ver-se forçado pela opinião pública russa a intervir militarmente.
"Se os bombardeamentos resultarem num elevado número de mortos entre os civis, as suas opções podem ser um ataque aéreo ou uma invasão terrestre. Não é essa a intenção de Putin, mas ele não poderia ficar parado na fronteira e limitar-se a ver os militares ucranianos a esmagarem uma cidade", considera Dmitri Trenin, director da organização Carnegie Moscow Center, citado pela Reuters.
Nesta quarta-feira, a NATO admitiu que uma parte das tropas russas que estão estacionadas junto à fronteira com a Ucrânia já recuou, mas sublinhou que as que lá continuam são ainda suficientes para lançar uma ofensiva em larga escala.
Por enquanto, o Presidente russo limitou-se a condenar a investida militar contra o aeroporto de Donetsk, exigindo "o fim imediato da operação punitiva" do Exército ucraniano. Numa conversa telefónica com o primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, Putin disse ainda que é necessário "estabelecer um diálogo pacífico entre Kiev e os representantes das regiões" do Leste.
O Presidente russo vai encontrar-se na próxima semana com o seu homólogo francês, François Hollande, naquele que será o seu primeiro encontro com um líder ocidental após a anexação da península da Crimeia, em Março. A reunião, que servirá para abordar a situação no Leste da Ucrânia, vai ter lugar no Palácio do Eliseu, no dia 5 de Junho, véspera do 70.º aniversário do Desembarque na Normandia.