Todos os meses a União Europeia detecta sete drogas novas no mercado
Relatório europeu é apresentado nesta terça-feira. As drogas “antigas” estão mais potentes. As novas nascem como cogumelos. Heroína continua a perder peso. Metanfetaminas preocupam em alguns países.
Já este ano, em Abril, foi feita uma avaliação de risco a quatro novas substâncias com “elevada toxicidade”, que estão no mercado da droga da UE há algum tempo e que podem ser mais perigosas do que as drogas originais que pretendem imitar (LSD, morfina, cocaína e cetamina). Têm no seu cadastro o facto de terem estado presentes em mais de 200 intoxicações agudas e em mais de 130 mortes, segundo o Relatório Europeu sobre Drogas 2014: Tendências e Evoluções, que é publicado nesta terça-feira.
O documento diz que os métodos de produção estão a sofrer grandes alterações. E isso também se faz sentir nas drogas mais "antigas": a potência da cannabis e do ecstasy vendidos nas ruas está a aumentar. O que as torna potencialmente mais perigosas.
“Estou muito preocupada com a possibilidade de as drogas actualmente consumidas na Europa serem ainda mais prejudiciais para a saúde dos consumidores do que eram no passado”, resume a comissária europeia dos assuntos internos, Cecília Malmström, num comunicado emitido a propósito do novo relatório, apresentado em Lisboa.
“Sob pressão”
O documento tem a chancela da agência da UE para o sector (o Observatorio Europeu da Droga e da Toxicodependência, conhecido pela sigla EMCDDA). Faz o retrato do que se passa nos 28 Estados Membros da UE, Turquia e Noruega. E mostra que o sistema de alerta da UE está “sob pressão crescente”. Só nos últimos quatro anos, foram detectadas cerca de 250 novas substâncias. No ano passado tinham sido detectadas 73 e já então se falava de "oferta imparável".
A preocupação de que não se consiga dar respostas às rápidas mudanças observadas no mercado é expressa logo no arranque do relatório: “É essencial garantir que os nossos mecanismos de vigilância mantêm a sua eficácia. Há quase duas décadas, a Europa foi pioneira na criação de um sistema de alerta rápido para identificar as novas ameaças potenciais neste domínio. Esse sistema já deu provas da sua utilidade, mas, de um modo geral, a nossa capacidade forense para identificar e comunicar as consequências das substâncias novas e tradicionais para a saúde pública ainda é insuficiente.”
Em resumo: “Não podemos deixar de alertar para a importância de garantir a disponibilização de recursos suficientes”, lê-se num prefácio assinado pelo português João Goulão, presidente do Conselho de Administração do EMCDDA, e por Wolfgang Götz, o director da agência.
Uma “versão” da cocaína
As novas drogas são em geral legalmente importadas em pó, principalmente da China e da Índia, e depois transformadas, embaladas e comercializadas na Europa.
Ficam depois disponíveis no mercado tradicional das drogas ilícitas mas não só: também podem ser vendidas “como euforizantes legais”, ou como suplementos alimentares, ou como “alimentos para plantas”, em lojas. É o que acontece com uma substância chamada MDPV (uma das quatro que em Abril foram alvo de atenção do sistema europeu e que faz parte da família das catinonas, uma nova classe de estimulantes na Europa).
O relatório diz que a MDPV está a ser vendida como uma versão “legal” ou sintética da cocaína (tem também sido identificada em comprimidos semelhantes aos de ecstasy). E que foi detectada “em 107 intoxicações não fatais e em 99 mortes, a maior parte das quais na Finlândia e no Reino Unido”. Em Portugal, a MDPV faz parte da lista publicada no ano passado pelo Governo das substâncias que as smartshops deixaram de poder vender.
Muitas das novas (e velhas) drogas também se encontram na Net, continua o documento. Em 2013, “o EMCDDA identificou cerca de 650 sítios Web que vendem estas substâncias aos europeus”.
E há ainda os remédios. “Um número crescente de novas drogas detectadas no mercado das drogas têm uma utilização lícita como medicamentos.”
Sinais contraditórios
O relatório tem várias boas notícias (começa por descrever “uma tendência globalmente positiva a nível da União”). O problema é “a evolução preocupante observada em alguns países”.
Por exemplo: há, em geral, na UE, uma redução das overdoses e das infecções por VIH entre os consumidores (Portugal é citado como um dos países onde o número de novos casos notificados continua a diminuir tendencialmente). Mas na Grécia e na Roménia registam-se surtos importantes de doença.
O consumo de cannabis também está a estabilizar e até a diminuir nalguns países. Mas em países com níveis de prevalência mais elevados, as emergências médicas relacionadas com o seu consumo parecem estar a adquirir proporções crescentes."Com efeito, a República Checa, a Dinamarca e a Espanha notificaram aumentos recentes no número de emergências." A cannabis foi, em 2012, a droga principal mais frequentemente referida pelos utentes que iniciaram pela primeira vez um tratamento da toxicodependência.
A heroína também prossegue o seu caminho descedente — ainda que a produção mundial se mantenha elevada — com uma gradual diminuição da quantidade de droga disponível e do universo dos consumidores na Europa. Em 2012, bateram-se, aliás, dois recordes: o do mais baixo número heroinómanos à procura, pela primeira vez, de tratamento especializado (31 mil) e o da menor quantidade de heroína apreendida (5 toneladas, o mais baixo valor em dez anos).
O documento lembra que “embora a heroína esteja ainda envolvida em muitas overdoses fatais, as mortes relacionadas com o seu consumo estão, de um modo geral a diminuir”. Contudo, as mortes “relacionadas com o consumo de opiáceos sintéticos estão a aumentar em alguns países”.
Formas extremamente potentes de fentanil, um opiáceo sintético, tem estado presente na maioria dos óbitos associados a drogas registados na Estónia, por exemplo — país que viu aumentar as mortes por overdose, em 2012, em 38%.
A Estónia é, de resto, o país com mais “mortes induzidas pela droga”, como lhes chama o relatório europeu (191 óbitos por milhão, dados de 2012). Mas há outros estados analisados pelos peritos com números extraordinariamente acima da média, como a Noruega (76 óbitos por milhão), a Irlanda (70 por milhão) e a Suécia (63 por milhão). A média da UE é 17 mortes por milhão de habitantes.
Em Portugal, registaram-se 29 casos, o que equivale a 4,2 óbitos por milhão de habitantes (contra 2,7 por milhão em 2011, segundo os dados provisórios avançados e noticiados em Dezembro do ano passado pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos e nas Dependências).
"Sexo químico”
O relatório diz ainda que o consumo da cocaína pode estar a descer em vários países (mantendo-se estável noutros), mas contrapõe a este facto, e uma vez mais, uma má notícia: “a preocupação” causada pelo aumento do consumo de metanfetaminas (estimulante sintético que faz parte da família das anfetaminas) e de MDMA (ecstasy).
No caso específico das anfetaminas e das metanfetaminas o estudo europeu recorda os efeitos adversos para a saúde associados ao consumo: “Problemas cardiovasculares, pulmonares, neurológicos e mentais.” E prossegue: se o consumo de metanfetamina é historicamente baixo na Europa, essencialmente limitado à República Checa e à Eslováquia, agora parece estar a disseminar-se — por exemplo, na Alemanha. Mas não só: “Do Sudeste da Europa (Grécia, Chipre e Turquia) chegam notícias preocupantes de que o consumo de cristais de metanfetamina fumados constitui um problema ainda circunscrito, mas emergente e passível de se expandir entre as populações vulneráveis. Acresce que, em algumas grandes cidades europeias, foram detectadas novas tendências para o consumo de metanfetamina injectada entre pequenos grupos de homens que têm relações sexuais com outros homens.”
O comunicado que sintetiza os resultados do relatório fala de festas de "sexo químico”. O tema é abordado numa publicação à parte, que analisa especificamente as novas tendências na Europa de uso de metanfetaminas. Nele descrevem-se estas festas que, segundo os relatos, acontecem pelo menos em Londres e em Paris. “Podem durar vários dias, envolvem múltiplos parceiros sexuais e o uso de cocktails de drogas, com os equipamentos para as injectáveis a serem partilhados.”