Câmara de Lisboa ainda não conseguiu ocupar um edifício destruído pelo fogo do Chiado
Município reconstruiu-o há oito anos e conseguiu vender seis fracções na sexta-feira. No prédio ainda há nove lojas e escritórios e três apartamentos sem solução.
Situado na esquina da Rua do Ouro com a Rua da Anunciação, o edifício da Confepele, como era conhecido devido ao facto de ali ter funcionado uma empresa de confecções com esse nome, foi o único atingido pelas chamas na Rua do Ouro e foi também o único cuja reconstrução a Câmara assumiu directamente.
Divergências entre os seus dez proprietários levaram a que estes não conseguissem levar por diante as obras que tinham projectado, razão pela qual os andares superiores do prédio de seis pisos ainda estivessem completamente destruídos em 1999, onze anos depois do desastre. No rés-do-chão e no primeiro andar continuavam a funcionar oito lojas, mas daí para cima havia só escombros e uma cobertura metálica colocada em 1998, após o incêndio.
Foi então, em 1999, que o município decidiu comprar o imóvel para o reconstruir, estabelecendo um acordo com os proprietários com vista a que estes o pudessem readquirir no fim das obras, pelos valores então ajustados. Só que os trabalhos — feitos com o apoio dos fundos públicos cedidos pelo Governo para a reabilitação do Chiado — em vez de começarem em 2000, quando as lojas foram fechadas, e demorarem os 22 meses previstos, só se iniciaram em 2002, arrastando-se ao longo de quatro anos, até 2006. E custaram quase seis milhões de euros, em vez dos 2,4 inicialmente previstos.
Para justificar a derrapagem dos prazos (e dos custos) a autarquia afirma numa deliberação aprovada no ano passado que ela foi motivada por “um longo processo de adequação dos projectos entregues pelos anteriores proprietários às características do prédio e pela suspensão dos trabalhos de recuperação para realização de escavações arqueológicas”.
Concluída a obra, a câmara fez as contas e tentou vender as 23 frações (13 lojas e escritórios e dez fogos habitacionais) aos antigos proprietários. Estes, porém, não aceitaram os valores propostos, considerando que eles não correspondiam aos termos do acordo firmado. “A câmara deu-nos um grande golpe porque o que estava combinado era que nós recompraríamos por um certo preço e eles vieram pedir-nos três vezes mais”, conta João Veiga, proprietário de duas das fracções.
Só em 2011 e 2012 é que a câmara, que rejeita as acusações dos antigos proprietários, conseguiu que dois deles adquirissem quatro das lojas por preços entre os 55 mil e os 61 mil euros. Presentemente, apenas esses espaços estão ocupados com pequenos negócios, continuando o resto do edifício desocupado.
Face à renúncia ao direito de recompra por parte dos três donos de sete dos apartamentos, a câmara decidiu no ano passado vender estas fracções em hasta pública, ao preço de 2.100 euros o m2, sensivelmente mais 27% do que aquilo que pedira aos antigos proprietários.
Atendendo ao valor despendido pelo município com a reconstrução, o preço por m2 deveria ser de 2.550 euros, mas, diz a câmara na justificação do valor de base da hasta pública, esse montante é “manifestamente elevado para o actual clima económico”. Por esse motivo, o preço fixado (2100 euros) corresponde à média entre o valor pedido aos antigos proprietários (1650) e aquele que foi gasto na reconstrução (2550).
Realizada no fim de Janeiro deste ano, a hasta pública apenas permitiu que se concretizasse a venda do mais pequeno dos apartamentos, um T0, pelo valor base da licitação (cerca de 130 mil euros). Para os restantes seis não houve então qualquer oferta, razão pela qual a câmara lançou uma nova hasta pública, que se realizou na sexta-feira com os mesmos valores base (entre 258 mil e e 320 mil euros).
Desta vez as coisas correram melhor para o município, que conseguiu vender os seis apartamentos pelo valor base, num total próximo de 1,7 milhões de euros. O comprador e único licitante foi a empresa Treasuresdetails, uma imobiliária cujo capital está repartido entre o advogado Raposo Subtil (que foi candidato a bastonário da Ordem dos Advogados no ano passado) e quatro outros advogados do seu escritório. O presidente do conselho de administração da empresa, porém, é o empresário brasileiro Bernardo Freiburghaus.
Quanto às restantes 12 fracções, o impasse mantém-se, na medida em que os antigos proprietários não prescindiram do seu direito de recompra e o município não pode tentar vendê-los a terceiros.
“Por mim não vou prescindir das áreas a que tenho direito, mesmo que tenha de ir para tribunal”, garante João Veiga, o único proprietário que o PÚBLICO conseguiu contactar. Zangado com a câmara, que diz tê-lo enganado com os preços da recompra, acusa-a de nem sequer lhe responder a uma proposta que apresentou há dois anos. “Disse-lhes por escrito que aceitava o preço que eles impõem e pedi para pagar em 15 anos, porque os bancos não emprestam. Até hoje não me disseram uma palavra”, queixa-se João Veiga.