Biodiversidade e conservação
Apesar de Portugal ser um reduto de diversidade biológica, isto é pouco valorizado e divulgado. Importa, por isso, relembrar que a humanidade depende de uma dúzia das mais de 300 mil espécies de plantas com flor actualmente descritas e que se explora apenas uma pequena fracção da diversidade genética. Isto não é suficiente para suportar a alimentação de mais de 9 mil milhões de pessoas que se espera atingir em 2050. O grande desafio deste século é saber compatibilizar a conservação da biodiversidade e os sistemas de produção de alimento, num período em que as alterações climáticas têm vindo a alterar o equilíbrio ecológico. <_o3a_p>
Ao longo da história, os agricultores sempre guardaram as sementes de cultivares agrícolas ao mesmo tempo que mantinham lado a lado populações de outras espécies. Estas práticas milenares encontram-se ainda em poucos locais do mundo, já que o avanço tecnológico e a exploração agrícola de forma industrial têm levado à utilização de sementes importadas, nalguns casos geneticamente modificadas e à globalização das explorações agrícolas. A conservação dos recursos genéticos teve início no fim do século XIX, tendo tido grande expressão e importância o Instituto Vavilov para a indústria agrícola, na antiga USSR. Nikolai Vavilov foi o primeiro a reconhecer a importância de conservar a diversidade de cultivares e de não colher apenas uma amostra de cada espécie. Organizou numerosas expedições por todo o mundo, entre 1920-1930, para colheita de sementes, nomeadamente de trigo, centeio, batata, cevada, e muitas outras espécies de forragens. Actualmente, grande parte das cultivares agrícolas encontra-se preservada em bancos de sementes espalhados por todo o mundo. Na Europa é conhecido o Doomsday Seed Vault localizado na Noruega e gerido pelo Global Crop Diversity Trust.<_o3a_p>
A explosão demográfica e a necessidade de diversificar a base da alimentação humana, melhorar ou alterar a diversidade genética das cultivares e aumentar a eficiência da exploração agrícola tem levado os cientistas a estudar plantas aparentadas com as agrícolas. Em 2006, Nigel Maxted e colaboradores relançaram o termo espécies silvestres parentais de cultivares (CWR, do inglês crop wild relatives) para referir as espécies de plantas com proximidade genética e taxonómica a cultivares agrícolas. Estas espécies têm sabido sobreviver e adaptar-se às inúmeras alterações climáticas e desenvolvido resistência a pragas e doenças e acabam por ser um reduto de diversidade genética que se perdeu com a agricultura. <_o3a_p>
A revisão da Estratégia Global para a Conservação das Plantas (EGCP) preparada para a década 2011-2020 considerou prioritária a conservação de 70% da diversidade genética das CWR e de 75% da flora nativa em bancos de sementes. Na sequência destas novas metas e perante o contributo da FAO, em 2011, o Governo da Noruega dispôs-se a financiar um programa científico com o objectivo de identificar e localizar espécies prioritárias a conservar, desenvolver um plano de conservação de sementes, avaliar as características genéticas mais importantes dessas espécies e tornar acessível toda a informação. Esta iniciativa internacional, liderada pelo Global Crop Diversity Trust e o Millenium Seed Bank, foi lançada a 22 de Julho de 2013. Numa primeira avaliação global, identificaram-se as principais regiões geográficas de espécies parentais de cultivares agrícolas. Verificou-se ainda que 54% das 455 espécies CWR identificadas não se encontravam conservadas em bancos de sementes, estando algumas já em risco de extinção sem nunca terem sido colhidas e conservadas. <_o3a_p>
Portugal foi considerado um dos locais com elevado número de espécies prioritárias para conservação. Para responder ao esforço de colheita e conservação, o Banco de Sementes da Universidade de Lisboa, sediado no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, foi convidado a integrar este consórcio e liderar a equipa portuguesa que inclui o Banco Português de Germoplasma Vegetal em Braga, ISOPlexis Banco de Germoplasma da Universidade da Madeira e Banco de Sementes do Jardim Botânico do Faial. Apesar da obrigatoriedade do Estado português em cumprir as metas da estratégia global de conservação das plantas, reformuladas para a presente década (2011-2020), o esforço de conservação tem sido pouco valorizado. <_o3a_p>
São duas as infra-estruturas nacionais, reconhecidas internacionalmente por seguirem as regras impostas pelos tratados internacionais dos recursos genéticos: o Banco Português de Germoplasma Vegetal, do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária e o Banco de Sementes da Universidade de Lisboa. Até à data, têm trabalhado de forma isolada, a nível local e regional, com fraca troca de experiências e partilha de informação, pelo facto de possuírem objectivos diferentes: cultivares agrícolas no banco de germoplasma e espécies da flora silvestre no banco de sementes do museu. Também do ponto de vista político cada uma destas estruturas é tutelada por ministérios diferentes, Ministério da Agricultura e do Mar e Ministério da Educação e Ciência. Por outro lado, a nível nacional, a resposta de cada Estado-membro à EGCP e à FAO é dada pela tutela ligada ao ambiente e à agricultura. Mais do que científicas, são as burocracias inerentes às diferentes tutelas que promovem barreiras que o projecto internacional acabou por quebrar. É tempo de usar esta oportunidade para consolidar parcerias nacionais, supraministérios, a fim de Portugal assegurar e manter, de forma global, a conservação dos seus recursos genéticos vegetais, prioridade estabelecida e reconhecida a nível mundial.
Professora catedrática, Universidade de Lisboa<_o3a_p>
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