Num subúrbio de Amesterdão, à procura dos eleitores de Wilders
Almere é a mais nova e mais jovem cidade da Holanda. E é também onde o PVV de Geert Wilders conseguiu 20% nas últimas municipais de Março. Os habitantes espantam-se, ou não, com este sucesso da extrema-direita.
Esta é a mais nova cidade holandesa, e é ainda a cidade mais jovem do país. E foi ainda a cidade em que o Partido da Liberdade (PVV) de Geert Wilders teve o seu melhor resultado, com mais de 20% dos votos, nas eleições municipais de Março.
É certo que o partido de Wilders apenas concorreu em Haia e Almere, cidades onde já tinha boas perspectivas. Mas apresentou a corrida como uma rampa de lançamento para as europeias, onde esperava ser o mais votado (as últimas sondagens apresentam-no num muito próximo segundo lugar).
O sucesso eleitoral de Wilders é e não é uma surpresa em Almere.
Na biblioteca da cidade, um grande edifício de enormes janelas, Shanaz Oosthuizen, 41 anos, folheia uma revista na cafetaria. Holandesa de Amesterdão, a viver em Almere por ser mais barato mas a ir à capital sempre que pode (“é lá que estão os meus amigos”), a sua cor de pele deixa entrever uma ascendência estrangeira – os pais, do Suriname, estão há muito tempo na Holanda. “Há muita gente do Suriname aqui”, comenta.
Muita gente do Suriname e de outros locais também. O resultado do PVV era algo que ela não esperava. “Fiquei surpreendida por haver pessoas a pensar assim aqui sem o mostrar”, diz, referindo-se à plataforma xenófoba do partido. “Falam bem, são simpáticas, mas aparentemente pensam de outro modo”, diz.
Maarten von Gert, 28 anos, que é designer de aplicações para smartphones e Internet e trabalha na numa loja da cidade, está a fazer o trajecto inverso, de Almere para Amesterdão. Já cá viveu (tinha terminado a relação com a namorada com quem vivia e precisava de uma casa rapidamente - aqui foi mais fácil do que em Amesterdão), e o resultado do PVV não o espanta nada. “Almere é uma cidade super segura – há corredores de bicicletas por isso uma pessoa nem se chega a cruzar com um carro… As pessoas estão habituadas a este sentimento”, sublinha. “Depois vêem que um estrangeiro cometeu um crime e assustam-se. Têm medo do estranho. Se fosse o homem da banana, era o homem da banana”, ri-se. Acha que é bom que exista um partido como o PVV: “As pessoas precisam de um escape para desabafar”, defende.
Menos marroquinos
Mas em Almere os desabafos que encontramos são mais contra a popularidade do PVV. “Sou contra esse partido”, diz Yvonne Borst, 58 anos, a preparar-se para sair de bicicleta de uma praça da cidade. Logo ela, que é voluntária numa associação que ajuda refugiados (“Somália, Serra Leoa, Irão, Iraque”, enumera). O partido de Wilders “quer mandá-los embora” e “infelizmente, a maioria pensa o mesmo que ele”.
Um pouco mais longe, já fora da rua que sai da estação e parece um enorme centro comercial com lojas de roupa e uma praça de restauração, Almere acaba na água – a cidade foi conquistada ao mar, com as primeiras casas construídas em 1976, o mar foi fechado e ficou um lago. Num parque com pontões e miradouros, Tjalling Heider, 67 anos, apanha um pouco de sol.
“É incrível que um partido de extrema-direita como o PVV esteja a crescer tanto”, comenta.
O extremismo parece, no entanto, ter limites, e Wilders talvez tenha ido demasiado longe. Num comício em Haia, resolveu perguntar às pessoas se queriam mais ou menos marroquinos na cidade. “Menos! Menos! Menos!”, responderam. “Vamos tratar disso”, ripostou o líder do partido. Vários membros do PVV acharam que era demais, e alguns demitiram-se. A tirada foi seguida de uma chuva de queixas contra Wilders por discriminação.
O líder do PVV já foi alvo de um processo por incitamento ao ódio, por ter chamado terrorista a Maomé e ter comparado o Corão com o manifesto político de Hitler, Mein Kampf. Acabou absolvido porque o tribunal considerou que as suas declarações visavam uma religião e não um grupo étnico específico.
“Está tudo a piorar”
À porta de um hospital, encontramos finalmente apoiantes de Wilders. Helen Vergouw, de 65 anos, diz que o partido “é bom”. “Sim, votei neles nas últimas eleições. Sim, acho que há demasiados estrangeiros.” Tem medo que estes estrangeiros sejam perigosos? “Não, perigosos não. Mas são demais! E depois todos temos de lhes pagar, porque muitos não têm trabalho.” Helen Vergouw é ajudada por uma mulher mais nova, que parece de origem latina, e que recusa dar nome ou qualquer informação mas vai assentindo com a cabeça a tudo o que ela diz. Antes de entrarem no carro ainda dispara uma última tirada contra os muitos imigrantes que cada vez mais há em Almere. “São mesmo muitos!”
O partido de Wilders (é possível pessoalizá-lo porque tem um único membro inscrito: o próprio líder) tem ainda revelado uma nova corrente nos últimos anos: o eurocepticismo. Aí, parece ter apanhado bem um sentimento geral, já que uma das coisas que mais se ouve na Holanda é o sublinhar da cultura própria de cada país para defender uma menor integração europeia.
Um sentimento que foi ainda aprofundado com a crise. Com a pressão da União Europeia para medidas de austeridade num país que não conseguiu a cumprir a meta do défice de 3% que ele próprio insistiu em criar, e com um aumento do desemprego, que em cerca de 8% pode não parecer muito alto, mas é ainda praticamente o dobro do nível habitual na Holanda nos últimos anos.
Shanaz Oosthuizen é um exemplo: durante 23 anos a trabalhar com crianças nunca teve sequer “de escrever um currículo”. Desde 2011, quando a empresa faliu, as coisas têm sido diferentes. “Já enviei mais de cem currículos, e tive umas cinco ou seis respostas”, conta.
Esse é um dos factores que a faz questionar quão bem faz a União Europeia à Holanda. “A situação não é boa. Estamos a sofrer… e nada está a melhorar, está tudo a piorar.” Mas daí a sair… faz uma careta. “Estou meio-meio. Não sei.”
Maarten von Gert diz que a crise “é uma questão de confiança” mas a verdade é que a loja em que trabalhava, revendedora da Apple, entrou em bancarrota no ano passado. “Para uma loja da Apple chegar a este ponto é porque as coisas não estão muito boas”, nota.
Quanto à Europa, sublinha que para ele “não há europeus, há franceses, alemães, belgas”…Falta uma identidade europeia. “O único sítio em que há europeus é nos vídeos porno”, diz desconcertantemente. “A sério, há uma secção de filmes 'europeus'. Não sei o que isto quer dizer.”
Tjalling Heider também sublinha a diversidade dos europeus “e as culturas diferentes – um francês ou um alemão pensam de modo completamente diferente”, nota. Mas ele defende que haja mais uniformização em algumas coisas: “os impostos, por exemplo. Deviam ser mais fáceis e iguais em todo o mercado europeu. Assim como as regras para as empresas.”
Quanto à União Europeia, Von Geert diz apenas: “não tenho nada contra – mas estou curioso como vão resolver os problemas”.
Já Helen Vergouw diz que a União Europeia “custa muito dinheiro”. Por isso, sim, “seria melhor sairmos, estaríamos melhor sozinhos.”
Esta é a oitava de 11 paragens na Europa que vai a votos. Amanhã, Calais.