Por que razão as ventosas dos polvos não se agarram a eles? A ciência explica

Os polvos nem sempre sabem onde estão os seus tentáculos, uma liberdade de movimentos que poderia ser um problema. O dia-a-dia mostra que isso não acontece e os cientistas respondem agora porquê.

Foto
Polvo a agarrar um frasco com comida no interior Reuters/Scanpix/Jorgen Jessen

As centenas de ventosas nestes moluscos prendem-se a quase tudo, com a excepção do próprio corpo. Este fenómeno foi agora desvendado por Nir Nesher, da Universidade Hebraica de Jerusalém, em Israel, e colegas, que anunciaram a descoberta na revista Current Biology: a substância química encontra-se na pele e impede temporariamente o reflexo de sucção das ventosas.

É um mecanismo de auto-reconhecimento do polvo: “Ficámos muito surpreendidos pela solução simples e brilhante encontrada pelo polvo para este problema potencialmente muito complicado. E por ninguém antes de nós ter reparado neste fenómeno bastante forte e fácil de detectar”, diz Guy Levy, um dos cientistas do estudo, num comunicado de imprensa.

Os tentáculos são capazes de se auto-regenerar e são usados para agarrar, manipular e levar comida à boca. Têm uma enorme flexibilidade, ao contrário do que acontece com outros animais e, segundo experiências anteriores, nem sempre o cérebro tem consciência do que estão a fazer os braços ou onde estão.

Há uma razão para os polvos nem sempre saberem por onde andam os seus tentáculos: tem a ver com o facto de terem um corpo mole e flexível, ao invés dos humanos e de outros animais, cujo esqueleto rígido lhes dá menor liberdade de movimentos.

“O nosso sistema de controlo motor baseia-se numa representação bastante rígida no cérebro quer do próprio sistema motor quer do sistema sensorial. E essa representação forma mapas com as coordenadas das partes do corpo”, explica outro autor do estudo, Binyamin Hochner, também da Universidade Hebraica e que tem investigado o controlo motor dos polvos e a flexibilidade e autonomia dos tentáculos. “É difícil considerar a existência de mecanismos semelhantes [aos dos seres humanos] no cérebro dos polvos, porque os seus braços têm um grau infinito de liberdade. Por isso, usarem este tipo de mapas seria extremamente difícil, se não impossível.”

Experiências amputaram polvos
Para descobrir o mecanismo impeditivo de um grande emaranhado de polvo, os cientistas fizeram experiências com o polvo-comum (Octopus vulgaris), que passaram por amputar um dos tentáculos desta espécie que é canibal. Uma hora após o corte, o tentáculo continuava a mexer-se e o polvo, mesmo tocando-lhe, não se prendia a ele. Nem o considerava comida, se o tentáculo fosse seu.

“Em mais de 30 testes (...), nunca vimos as ventosas dos tentáculos amputados a prenderem-se a si próprias ou aos tentáculos com pele, fossem eles oriundos do mesmo animal ou de outros”, diz a equipa no artigo.

As experiências incluíram ainda tirar a pele aos tentáculos amputados — e, neste caso, os polvos já se fixavam à parte esfolada. Mais: quando se forraram pratinhos de plástico (placas de Petri) com pele de polvo, também não se agarraram lá.  

“Incrivelmente, quando só uma parte das placas de Petri tinha pele é que os tentáculos amputados seguravam o plástico exposto, mas evitavam agarrar na parte que tinha pele”, dizem ainda os cientistas no artigo. “Estas observações sugerem que a pele dos tentáculos está envolvida no mecanismo que evita as ventosas de se agarrarem aos próprios tentáculos”, concluem, acrescentando que é a primeira vez que se chega a este resultado.

Mas a substância química envolvida permanece por identificar. Seja como for, estes resultados são mais uma prova da inteligência dos polvos. E evidenciam que a estrutura da sua pele é complexa, permitindo-lhes por exemplo camuflarem-se rapidamente, e que os tentáculos são órgãos sensoriais sofisticados. “Cada braço é um grande órgão sensorial com cerca de 40 milhões de receptores tácteis e químicos, que estão espalhados por todo o braço, mas mais concentrados nas ventosas.”

Texto editado por Teresa Firmino

Sugerir correcção
Comentar